Sou poeta menor, perdoai!

13:30 postado por Thiago Terenzi


por Thiago Terenzi


Era quase assim – com alguns detalhes esquecidos e outros omitidos a fim tornar a história um pouco mais interessante –, mas, salvo as minúcias as quais me falta paciência para descrever, era quase assim: ele sentava em frente ao computador e falava a si mesmo: Inferno, saiam, letras! e elas não saiam. Tomava uma dose e outra, escutava poesia musicada, ameaçava-se em frente ao espelho e, então, as letras saiam.

Não havia inspiração – ela existia, porém! Ele a havia experimentado duas ou três vezes e vivia, desde então, dos restos do que sobrara na memória. Da falta de inspiração – ou de talento, sabe-se lá – criou uma técnica engraçada de escrita: escrevia o que lhe vinha da alma: palavras sem sentido em construções indecifráveis que ele fazia questão, por motivos desimportantes, de não traduzir à língua inteligível. Assim descrevendo, parece-lhe, ao leitor, grandioso. Não é!

Escrevia sobre a alma por não conseguir escrever utilidades. Tentou, diga-se de passagem. Tentou fazer poesia, mas os versos lhe soavam artificiais. Tentou ser jornalista, mas não conhecia a língua a ponto de escrever em idioma objetivo – era mais confortável esconder-se em subjetividades. Escolheu-se então, pela prosa poética, inútil por excelência.

Mas, num mundo de Machados, Clarices e Dostoiéviskis, escrever para quê? Afinal, tudo o que havia para ser escrito, já o fora. Desde as ladainhas românticas às loucuras machistas nietzscheanas. É tudo sempre mais do mesmo – e ele sabia disso. E escrevia para si mesmo. Primeiro para libertar-se – motivo nobre, afirmo em zombaria – depois para provar-se sabedor da língua. E não sabia nada – enganava uns cinco ou seis, mas não sabia nada.

Queria, ele, escrever sobre sagas e heróis – ou anti-heróis, já que se encantava em ir contra o vento. Queria era escrever diálogos grandiosos e aventuras. Mas seus personagens eram tão mesquinhos que nem a isso serviam. Era gente menor, como ele próprio, cuja vida não renderia duas linhas sequer.

Restava, então, adentrar a alma e descrevê-la em seus textos. Não que ela fosse de alguma forma grandiosa, mas era mar nunca dantes navegado – e costumavam gostar do desconhecido (ele, particularmente, frouxo que era, temia o que não conhecia, mas havia os que gostavam).

E então ele escrevia. Sem saber fazer sentido, escrevia palavras desconexas ao vento. Por não lembrar da gramática nada além de próclises e mesóclises, preferiu descartar as normas e guiar-se pelo ritmo. Escrevia, então, palavras quaisquer até formarem música aos ouvidos. E isso bastava – Bastava a ele, claro! porque aquilo não era literatura. Nem pretendia ser.

É sabido, em primeiro lugar, que as letras têm que se apoiar no papel. E as suas letras eram digitais. E a internet não é abrigo para a literatura. Não é! E ele digitava as letras, mas as letras precisavam ser escritas de próprio punho para terem alma – é aceitável, claro, que sejam digitadas em máquinas de datilografia, desde que estas, óbvio, estejam agarradas ao corpo do criador para serem mãe e filho. Se não, é texto qualquer. Não literatura.

E ele – desculpem-me os devaneios em que me perdi agora pouco – ele escrevia textos quaisquer. Não havia, entre as suas criações, Capitus ou Macabéas, nem mesmo Zaratustras para profetizar ladainhas ao vento. Seus personagens nem ao menos tinham nome. Nem ele os conhecia – quem, por fim, conheceria?

E ele, sem conseguir ver luz na história que narrara, deixou-a de lado, fechou a porta e viveu.

20:30 postado por Thiago Terenzi

E ela escolheu-se pelo risco: avante por toda a coragem que o medo traz. Com as pernas trêmulas. Com o sorriso incerto. Com os olhos falhos. Avante, porém. Pela coragem de querer viver – avante!

O Estrangeiro - por Thiago Terenzi

20:22 postado por Thiago Terenzi


Ele não costumava ler – estava ali por mero acaso planejado do destino. Leu sim uns dois ou três livros. Não leu os do colégio por pura pirraça – obrigavam-no a ler. E obrigá-lo já era virar-se contra.

Leu, tempos antes, coleções infantis. Gostou. Mas não era um gostar de almas que se tocam – ele apenas gostou e ponto. Era um gostar monossilábico, sem envolvimento. Como quem gosta do café da manhã.

Naquele instante, porém, ele estava ali. Sozinho. Não lhe era comum andar pelas ruas do centro da cidade sem companhia, mas naquele dia, sabe-se lá o porquê, estava ele consigo mesmo solitário fitando a livraria.

O primeiro contato fora estranho: ambos se entreolharam e se encararam num olhar de curiosidade. Eles se temiam. A livraria, embora de portas abertas, mantinha-se atenta e imóvel como uma presa esperando o próximo passo do predador. O garoto, por sua vez, fazia-se sereno. Era um laço tenso que envolvia os dois. Mas havia o laço.

E esse mesmo laço o empurrou para dentro da loja. O misto de receio e curiosidade era suficiente para dar-lhe coragem – e era uma coragem medrosa. Desbravou as prateleiras inundadas de livros como um estrangeiro buscando encontrar-se em rostos estranhos. Andava devagar – era campo inimigo. Todos os olhares voltavam-se contra ele. Era como se todos soubessem que havia um estranho naquele universo. Mas o garoto não era estranho. Apenas queria sabe-se-lá-o-quê.

E de repente o menino parou: encontrara o que tanto procurava. Na verdade, ele que havia sido encontrado – é que só encontra quem um dia procurou e embora soubesse que algo lhe faltava, ele nunca havia procurado. Mas encontraram-no.

E o livro estava ali na prateleira a sua frente. Imóvel. Era uma das prateleiras mais cheias, rodeada por livros de todas as cores. Mas o garoto sabia – sem saber como sabia – que aquele ali alaranjado com letras verde-brilhante era o sabe-se-lá-o-quê que tanto lhe faltava.

Queria ele roubá-lo e escondê-lo em sua roupa e sair furtivamente em direção ao nada. Compra-lo parecia uma idéia pouco atraente – não se compra destinos. Ele queria transgredir, tornar sua paixão um pouco mais difícil. Comprar era simples demais.

Por fim, comprou-o.

Não abriu suas páginas por dias. Apenas fitava-o horas e horas e cheirava-o em seu cheiro de livro-novo. Ler seria invadir uma intimidade que talvez não lhe fora dada. O instante antes do próprio instante já lhe era suficiente. O garoto queria apenas a beira – apenas a possibilidade do êxtase. Acariciava a capa do livro como quem tateia o amor.

Era-lhe suficiente.

O compositor - por Thiago Terenzi

02:24 postado por Thiago Terenzi


Ele cantarolou displicentemente a melodia por longos minutos sem notar que estava sendo ouvido e viu-se, então, em seu momento mais necessário.

E a melodia era tão estranhamente bela que parecia o instante repetido ao infinito. Os acordes se entrecortavam com tamanha voracidade que nos perdíamos entre os compassos e semitons.

Pois era ele e o violão, que era o seu instrumento-útero. E a verdade da música só poderia ser percebida em seu momento-criação – todo o resto era tentativa de enquadrá-la. Apenas aquele instante – o instante primeiro – era importante. A arte estava ali. Todo o resto era industrial.

E as outras tantas vezes que a canção seria repetida em computadores e rádios pelo mundo seria apenas uma tentativa de capturar o instante com os dedos. E os arranjos e produções e modificações que a música sofreria antes de ser gravada seria apenas para escondê-la de si mesma – pois a sinceridade está no momento-criação.

E ele se viu como o poeta que termina o soneto em rimas alternadas. Tão logo findou-se a poesia, perdeu-se o sentido – pois a essência do ser é o estar sendo. Os meios se auto-justificam – não há de se buscar qualquer sorriso póstumo. A arte é por si só. É.

Tão logo o cronista dá seu ponto final, o escrito se torna inútil. Morrem ambos: o autor e a obra. Obra acabada é obra morta. Apenas o instante em que ambos se alimentam é necessário – após o parto, mãe e filho morrem para o mundo.

É que viver é processo inacabado. É imperfeição – como a melodia que desafina em tons agudos; como a nota mal tocada que ressoa pelo traste do violão. E querer perfeição é morrer – é que plenitude e vazio é coisa única. Prefiro estar-me sendo.

E sem notar que o instante se passara, ele gravou a melodia em seu pequeno gravador. Esgotou-se, então, a arte.

A Liberdade - por Thiago Terenzi

01:27 postado por Thiago Terenzi



E então adormeceu e, pela primeira vez, foi-se ela mesma: olhos fechados sob uma leveza transcendental de criança inocente e corpo em pele alva. O rosto sereno era de sinceridade aspergida – era de um viva exclamado por estar-se nua de alma.

Ela dormia em sono profundo – pois só assim era possível ser sincera. Se os olhos se abrissem, perder-se-ia a inocência. É que inocência sincera dispensa máscaras. E estar-se viva já era mascarar-se em trajes plásticos. Travestida, ela abria mão da sinceridade para viver.

Mas agora, de olhos fechados, ela não vivia – dormia. Abstinha-se do papel de ser mulher para apenas ser; livrava-se da obrigação de perdoar para perdoar-se. E estava próxima de Deus por aproximar-se de si mesma. Era autônoma e tão livre que a liberdade lhe parecia pouco.

De pura sinceridade, amou o mundo de um amor inédito – não de amor cristão, que soa como dever, mas de amor gratuito. E recebeu em troca o conforto do travesseiro roçando-lhe o rosto – e bastou.

Sorriu e foi, enfim, feliz – e a felicidade não era aquela contrária à tristeza. Era palavra sem antônimo. Era um feliz que existia não para opor-se ao triste. Apenas existia. Estava lá – e ela nem queria saber os porquês.

Apenas nós, os incompletos, buscamos respostas – ela não. Em seu sono profundo, ela apenas acreditava. E por acreditar, não havia perguntas (nem ao menos havia pontos finais ou exclamações). Havia o signo – livre de significado, significante e significação. O signo apenas estava lá e ela o respeitava – e o amava como parte de sua natureza.

Plena de si, pensou estar morta – a tênue linha que separa vazio de plenitude é tão insignificante que arrisco-me a dizer que são sinônimos. Mas ela, esperta, muniu-se da certeza de estar viva – e, então, estava. Antes de acordar, porém, abraçou o travesseiro num abraço a si própria, bradando um “eu te amo” tão sincero que nunca chegou a efetivamente dizê-lo.

Amando-se em sua própria inocência, por fim, acordou. E então travestiu-se em suas máscaras habituais e jamais voltou a ser-se si mesma.

Deus - por Thiago Terenzi

15:55 postado por Thiago Terenzi



E então ela acordou de um sono necessário sob o único raio de sol que iluminava seus olhos. Levantou-se e banhou-se de uma preguiça inocente e molhou seu rosto: pele alva, traços duros de um sabe-se-lá-o-quê cativante, que nem consigo explicar.
Sobre o espelho, fitou seus próprios olhos e descobriu-se.

Fingia-se de um fingimento artificial que herdara numa rua qualquer – mas, desde então, soube-se num saber particular e bastou. Sorriu. Rendeu-se por fim a si mesma e iluminou-se de uma alegria imperceptível – porém intensa.

É que descobrir-se em si mesma era torna-se estrangeira – e ela tinha medo. Era ir além de um além não navegado e era perigoso: ilimitando-se, talvez, poderia parecer limitada aos olhos outros. E ela fora além de si ao olhar-se no espelho – além de seus próprios olhos.

Pois seus olhos negros de ressaca pareciam esconder o que há de mais humano. Como se o “torna-te quem tu és” da alma se travestisse em felicidade cristã. Como se o que há de melhor fosse ocultado pelos certos plastificados.

Era mesquinho os olhos – de cigana obliqua e dissimulada. Eram olhos de Capitu. Pedaços de uma moral recortada que cobriam a retina. Não enxergava para não ser enxergada.

Ela, porém, fora além da retina e não havia mais caminho a seguir. Ensaiou-se em passos novos, mas não se importou: no além-mundo em que habitava, nada importava – ela era completa por estar ali.

Agradeceu, então, seu estado de graça rezando a um deus que no fundo era ela mesma. Orou-se por longos minutos e sentou-se de frente ao espelho de mãos dadas às próprias mãos.

Abraçando-se por misericórdia própria, teve medo. Pediu-se em oração a coragem necessária para estar ali, só, em sua própria alma e enfrentou, solitária, a dor de existir apoiando-se em si mesma – ser completa exigia-lhe muito mais do que parecia suportar.

Como que num rito de iniciação, molhou seu rosto novamente em água corrente de torneira e batizou o vazio de plenitude e de amor próprio o que era deus. Orou-se em línguas outras o que nem pôde entender – e soube, então, que o não entendimento era benção edificada.

Antes, por fim, de lembrar-se do mundo que a esperava, guardou em segredo sua alegria particular, que era a verdadeira. E, após um amém sussurrado a si mesma, trancafiou sua alma por detrás dos olhos negros e viveu.

Quente e Profano - por Thiago Terenzi

16:29 postado por Thiago Terenzi

Pois temos a vida – mas vivi tão pouco o que se pode chamar de vida que nem sei ao certo se vivi ou morri em sonho. É que há tempos não vivia a vida que é de se viver. E estou tão necessitado que peguei lápis e papel e escrevo enquanto o sol se brota. É que viver é tão intenso que me faz escrever.
Fechei os olhos e respirei a vida dos mortais – e, há tempos, vivia eu uma vida que é além-humana. Vivia em completa plenitude estática, mas hoje, enfim, respirei o ar que é de se respirar e senti dor. E como é bom senti-la. Como é bom ser humano. Quero é o dinâmico.
Foi tão bonito e tão doloroso... sei que não entendes, mas nem é necessário. É que às vezes a vida de mentira é mais real que a mentira em carne e osso. Viver do que é vivível nos faz melhor – e eu quero tanto que chega a doer. Quero o que me trás vida – vida esta que é de eufemismos.
E que volte o cheiro de cigarro e o corpo em branco e preto; que volte a insegurança e a luz que cega a visão – que volte o mundo, pois preciso de fraquezas. Ser perfeito consome mais do que posso suportar – logo eu que mal suporto a dor.
É que perfeição remete à limites – a perfeição é pequena. Não se pode ir além, pois chegaríamos, então, na imperfeição. E não quero os limites do que é perfeito. Não quero a mente limitada dos que fazem juízo de valor. Se pudesse, acho, seria amoral – a palavra é tão bonita, lembra amor. Quero é seguir uma ética interna que nem consigo racionalizar – e não racionaliza-la é o que a torna especial.
E vivi, como dizia, da vida não-racional que sempre busquei e tive medo. E pude voltar a escrever. É uma espécie de medo-desejo que é combustível da alma. É uma humanidade que falta à luz dos olhos – quero, então, a luz dos olhos.
Mas, por favor, traga-me os olhos aos poucos – é que estou tão acostumado com a escuridão, que luz me cega.
Torno-me, então, humano ao avesso – mas humano, por fim. Cego, mas por escolha para poder sentir-me mais. Torno-me, pois, um eu mesmo que nunca fui. E temo ser este o que sou de verdade.
É que é da dor que me faço o que é existível. Renuncio à perfeição para ser-me eu mesmo. Sou é o vidro embaçado que não vê o exterior – quente e profano. Quero, então, o que há de mais quente e profano no corpo: a carne – pois alma já não me alimenta mais.
Bebi do além-mundo e voltei. A perfeição me recalca – não a quero mais.

Alegria Particular - por Thiago Terenzi

17:10 postado por Thiago Terenzi

Inspiro. Espiro. Inspiro... Um ar que é só meu invade os alvéolos e adentra sabe-se lá onde do interior-infinito de mim: torno-me livre. E minha liberdade é tão abençoada que guardo-a em segredo. Ninguém sabe que sou livre, mas sou. Ninguém sabe tanta coisa, que sinto-me um importante fiel de um segredo ao vento. Rio, então, um sorriso qualquer de alegria particular.

A felicidade, por exemplo, me vem em gotas. Eu, que não sou bobo, guardo todas na palma da mão. Alegro-me nas gotas pequenas – e essa alegria é maior que todas as outras. É que vem de dentro e é tão simples e curta e intensa e contida – é como o sorriso ácido de quando se lê Machado de Assis.

Hoje, por exemplo, sorri de alegria instantânea – dessas que duram apenas milésimos de segundos – um sorriso quase sem motivo. É que é bom conseguir capturar o instante e congela-lo. É que alegria instantânea é tão rápida que só se torna alegre na lembrança. E eu ri por motivo bobo: porque decidi fazer desse texto algo estranho (adoro tudo o que me é estranho). É que tanto faz colocar o ponto final aqui ou nas próximas linhas – o que precisava ser dito já foi.

Estou sozinho em casa e a solidão me alegra os ouvidos. Todos se foram; eu fiquei. E estar só, às vezes, é experiência transcendental. É quase um louvor sabe-se lá a quem. É a felicidade inconseqüente – e é tão sublime que quase parece tristeza. Mas não é! descobri há pouco: não é!

Pensam, os outros, sempre em opostos – abandonei esta idéia. E então descobri a não-tristeza que é alegria. Carrego agora lágrima e riso, juntos – e os opostos se parecem tanto! Antônimos são na verdade sinônimos travestidos. E me diz, é alegria ou tristeza? Segredo...

Porque o segredo me trás uma felicidade silenciosa sobre a qual não quero falar. Assumir a felicidade-instante é esgota-la. E tenho medo de perde-la (tenho medo de tanta coisa).

Tenho, inclusive, medo da liberdade – por isso me sou livre em segredo. Ela me é necessária – mas olhar para os lados e encarar o vento sem rédeas é difícil – exige uma responsabilidade para a qual não estou pronto. Às vezes finjo estar preso a alguma coisa assim como finjo uma tristeza inexistente só para ser-me mais completo. É tudo de mentira, mas às vezes esqueço que finjo e tenho medo de verdade.

Às vezes, enquanto inspiro e espiro, tenho medo de expirar-me a inspiração. São palavras tão parecidas e tão perigosas que nem sei se inspiro ou inspiro-me. É que me confundo nas palavras e não sei como usa-las. Como transcrever a felicidade muda que é tristeza abençoada? É tão particular que faço das palavras minha casa...

ENSAIO SOBRE O FIM – Por Thiago Terenzi

23:59 postado por Thiago Terenzi


Quarto escuro; vento gelado; cabelo ao fogo; olhar vidrado; resquícios de alma – descrevo por nada mais poder fazer. Queria ter algo a falar – mas não, apenas sinto e não sei explicar o que. Por isso descrevo como se bastasse. Descrevo flashes perdidos, pois o que sinto não sei escrever.


Talvez tenha eu vivido a vida que é de se viver por muito tempo e me esquecido das letras. Não vejo nelas nada mais familiar – embora ainda me sejam necessárias. Me enrolo a cada frase mal feita e me perco na falta de o que dizer. Quer dizer, tenho tanto a falar que me dói o peito uma dor agonizante – mas como falar?


Na verdade, sempre enganei a todos: nunca soube escrever. Falam sobre textos como uma mensagem a ser decodificada. Falam de gêneros, sintaxe e gramática. Falam de planejamento, início-meio-fim. Uma mensagem não decodificada, dizem, não cumpre seu papel – mas e eu? eu nunca quis ser entendido. Como ser se nem me entendo? Escrevo tosco e sem sentido apenas por necessidade. Mascaro-me por trás de próclises e mesóclises mal usadas e dizem que escrevo bem. Sou uma farsa.


Escrevi para o jornal uma crônica vazia e editaram meus erros. Substituíram meus pronomes mal usados e minhas vírgulas em excesso: mataram minha alma. Sou ruim e quero ser ruim – quero todos os erros pois escrevo de olhos fechados o que há de mais verdadeiro em mim. Escrevo da alma e a alma é errante.


Mas o que escrever? Sinto que não tenho muito a dizer. Escrevo projetando-me e quero ir-me além. Escrevo preocupado em fazer sentido e não há nada mais limitante. Quero ser-me por assim ser. Quero bastar-me.


Hoje fez calor e agora faz frio. A noite é bonita da janela – tem estrelas e é lua cheia. Mas isso não me basta. E quero bastar-me.


Fui feliz por viver a vida, mas senti falta do vazio e voltei. Acho que tenho medo de ser feliz. A felicidade é difícil. É para poucos – só quem experimentou pode dizer. Talvez eu goste de estar sozinho: ter demais é perigoso e não sou tão grande assim. Quero é ser pequeno.


A solidão é poética. É como o cigarro, que também carrega poesia. Ambos são tristes e a tristeza é cinza. O mundo diz que temos que ser felizes, mas eu não: carrego bem lá no fundo uma tristeza que levo em segredo. É bem lá no fundo, mas é o bastante. É que no fim das contas estamos todos sozinhos, mas fingimos o contrário.


É que no fim das contas estamos buscando algo que não sabemos o que. Meu palpite é que buscamos uma busca sem fim. Mas talvez não haja fim, os meios se justificam por si só.


Sou o meio, mas ensaio um fim que nem sei se quero ter. Não há começos nem finais: há apenas o instante que deve ser cristalizado em palavras – mas, por favor, diz-me como.

Textos do passado [3]: "O Vazio Sem Nome"

23:36 postado por Thiago Terenzi




Após algum tempo sem publicações, penso em postar o último texto da série de "coisas" que escrevi ao longo da vida.
Segui, como talvez seja fácil perceber, uma ordem cronológica. "Espelho Seu", de 2004, "O Velho e o Espelho", de 2005 e agora um texto escrito em 2006, com 16 anos.
Não postarei textos de 2007, uma vez que o blog teve início nesse ano e basta alguns cliques para encontrar vários textos.
Quis criar neste blog um caminho - abandono, aqui, qualquer idéia de progresso - ligando todas as minhas fases através do que escrevi.
Faço isso por mim mesmo. Quero, talvez, descobrir-me em eus passados.


O VAZIO SEM NOME

O pior é quando chega a noite. Fria e escura. Acendem-se, então, as lâmpadas artificiais. Mas elas não são de verdade, são amareladas e frias. É inevitável, assim, como se a própria noite convidasse, encarar-se no espelho. Este reflete não a nossa luz, mas sim uma luz qualquer, fria e escura.

Então, nos encaramos e olhamos diretamente para os nossos próprios olhos. Neste momento, percebemos que apesar de tudo o que fizemos, nada mudou. Nada muda. Nunca. Vivemos toda uma vida para no fim, tudo ser em vão. O fim é o mesmo para os que vivem e para os que, por ignorância, ou, talvez, pelo mais profundo sábio ideal, preferem não viver.

Talvez a falsa ilusão de que podemos mudar alguma coisa seja necessária para o ciclo da vida. Talvez nossas mentes não resistissem se soubessem que não existe, em nada, sentido. Teimamos em fazer tudo ter sentido. Teimamos em pensar que somos algo, sem ao menos saber o que é ser algo. Inventamos, então, os nossos “algos”, mas estes, de tão efêmeros, não sobrevivem ao fim. Pelo contrário, são descobertos por nós mesmos enquanto nos fitamos no espelho, numa noite fria e escura.

Teimamos, durante o curto momento lúcido que nos é oferecido, em fazer o que não somos capazes. Talvez como uma maneira – inútil, por assim dizer - de se evitar o fim. Cultuamos o belo fingindo não saber que, como um sonho bom, este sempre se extingue. Fingimos ser inteligentes e cultos sem saber que o ínfimo que sabemos terá fim assim como nós mesmos. Escrevemos livros ignorando o amarelar das páginas. Vivemos fingindo as verdades que nos fazem melhor.

O ópio que usamos para evitar o vazio da falta de sentido nos remete a um vazio análogo, ao qual não somos capazes de dar nome. É impossível, talvez, nomear este vazio por sua falta de fronteiras, pois um nome sempre impõe limites ou classificações. E é impossível classificar o inclassificável. O vazio sem nome, talvez, seja a origem de todas as dores.

Talvez nosso cérebro esconda a verdade no abismo mais escuro de si mesmo para nos proteger. Talvez ele saiba que somos limitados ao ponto de não poder sentir dor, e é sabido que a verdade é a mãe causadora de todas as nossas dores. Dores estas que são fragmentadas em outras tantas de tamanhos pequenos, a fim de fazer da vida algo suportável. Nosso cérebro, como fiel guardião deste segredo, suicida-se dentro de nós mesmos, para que nunca possamos chegar à verdade.

Há, confesso, os que desafiam a lei natural das coisas e, corajosamente, numa noite fria e escura, olham-se no espelho em busca da verdade. Estes, por ousarem buscar o que não lhes é de direito, são condenados à dor eterna. Enquanto vagam pelo negro caminho de suas próprias mentes, são obrigados a abandonar todos os pensamentos que lhes serviam de suporte e experimentam, então, andar por suas próprias pernas. Descobrem, assim, que o ser humano não é capaz de andar sozinho e se vêem jogados num lugar qualquer de uma rua desconhecida sem se ter para onde ir.

Eu lhes digo que quase alcancei o caminho da verdade e confesso que senti, sobre meu rosto, o hálito do vazio sem nome. Cheguei aonde nenhum outro jamais chegou: no abismo da minha própria mente. Mas tive medo e frio, deitei na cama, enrolei-me sobre o travesseiro e dormi.

Thiago Rezende (um eu que já não existe), ??/??/2006

Textos do passado [2]: "O Velho e o Espelho"

15:36 postado por Thiago Terenzi


Continuando a série de postar textos escritos por um eu mais antigo, avanço um ano e publico, agora, um texto de 2005.
Curiosamente, este texto é um dos poucos que eu consigo rotular: parece um conto - ou, ao menos, tem personagens. Dois.
Não me reconheço nestes dois textos já postados. Não me reconheci aos 14 anos e nem agora aos 15. Mas acho, sobretudo, que nem me reconheço ainda.









O Velho e o Espelho

Desde muito, a luz do sol não iluminava com a mesma intensidade aquele pequeno quarto. O homem lembrava da época em que a luz era constante. Fora antes dos prédios, ele sabia. Com os prédios, vieram os cinzas e a escuridão, e o sol nunca mais bateu à sua janela.

Sem claridade, era difícil reconhecer, no quarto, traços de habitação. Parecia abandonado e só: tinha gosto de tristeza. Era vazio. Uma cama e um cobertor, apenas, identificavam o ambiente como sendo um quarto. Tinha, também, um espelho. Velho e trincado, pouco refletia. O homem evitava, sabe-se lá o porquê, encara-lo nos olhos, mas naquela tarde, em especial, ele o fez.

Era difícil enxergar algo. Teve, o homem, que cerrar os olhos e olhar atentamente. Viu o espelho, olhou-o nos olhos, e nos olhos, viu ele mesmo. Sua própria imagem encarando-o de forma vulgar. Era ele nos olhos do espelho, mas era um ele tão incomum...

Fitando a si mesmo, perplexo, o homem entendeu, como que se tivessem injetado a verdade em suas veias, a fugacidade da vida. Percebeu, então, que a vida, efêmera que era, o havia atropelado. Todos os anos e dias de sua vida, cada segundo que respirou, nada mais era que o prefácio de sua morte. Esta, bela e cruel, era análoga à vida, que nada mais servia senão à preparação para o nada eterno – este sim, o ator principal.

Mesmo com a pouca luz, o homem se viu sem vida. Não se lembrava tão velho. Na última vez que se viu, não existiam as rugas nem os cabelos brancos. Enxergou, enfim, que seus traços de velhice não o tornavam sábio ou experiente, e nem tinham qualquer significação nobre. Eram apenas a prova de sua fraqueza mortal perante o tempo. Era a derrota estampada em sua face. Em sua própria face.

Tentou chorar, mas o choro havia secado. Parecia não existirem mais lágrimas, uma vez que nunca as havia usado. Percebeu que deveria ter chorado durante vários momentos de sua vida, e lembrou-se de tantas outras coisas que deveria ter feito. Sabia, ele, da necessidade de olhar-se no passado e lamentar-se pelo que nunca fez, uma vez que já não existia mais futuro, mas também sabia que mudar o passado não faria do seu futuro algo diferente. Não importavam as escolhas, no final, os caminhos sempre se juntavam num mesmo destino. Enfim havia entendido que tentar viver uma vida só sua era apenas uma utopia.

O homem, que nunca havia acreditado no destino, pôde, então, enfim nele crer. Mas não acreditava no destino religioso, escrito por Deus. Era um destino mais negro e simples. Talvez, pensava ele, fosse negro exatamente por ser simples: nascemos para morrer. Simples e nada nobre. Doía a alma saber disso, mas o espelho havia dito e o homem não poderia mais viver sem encarar a verdade.

O sol se pôs e a pouca luz que iluminava o quarto se apagou. O homem deixou de olhar o espelho e adormeceu em sua cama. Viveu o resto de sua vida sem qualquer brilho maior e, então, morreu.

Thiago Rezende (um eu que já não existe mais), 29/07/2005

Textos do passado: "Espelho Seu"

02:41 postado por Thiago Terenzi


Munido da desculpa de reviver o passado - mas na verdade apenas maquiando a falta de inspiração (ou o medo de tê-la), resolvi buscar pelo computador coisas que escrevi durante os anos.
Acho que farei uma série rápida de seguidos posts sobre textos escritos há tempos. Este, por exemplo, cujo nome é "Espelho seu" e a foto ao lado curiosamente estava anexada junto ao seu título, foi escrito em 11 de fevereiro de 2004 (ou ao menos postada nesta data em um fotolog que nem tenho mais.
A qualidade deste texto - e provavelmente a dos que o seguirão - são questionáveis. Mas é curioso recordar o que se escreve aos 14 anos.




ESPELHO SEU


Da janela escura do meu quarto vejo o Sol nascer. Ele não é mais como antes: está menor, menos iluminado. Definitivamente não carrega mais, em seu intenso vermelho, a mesma poesia que um dia carregou.

Da janela escura do meu quarto observo o mundo e suas malditas belezas. Ouro dos tolos que um dia acreditei que poderia mudar. Mudar o mundo, mudar a vida declarando guerra aos inimigos sem saber ao certo onde quer chegar.

Da janela escura do meu quarto vejo o eterno espelho que volta no tempo teimoso em repetir o retrocesso romantismo dos heróis de toda uma geração.
Da janela escura do meu quarto vejo os rebeldes cantarem. Líderes de uma ideologia romântica e de um discurso nato. Pobres homens que escondem de suas próprias mentes o pensamento soturno da fantasia do poder.

Da janela escura do meu quarto vejo o Sol vencer as trevas num teatro impossível, ao menos possível aos anjos que teimam em exacerbar com tamanha facilidade o impossível aos pobres mortais que somos.

Da janela escura do meu quarto compreendo a razão dos suicidas ao perderem a razão: anti-depressivos incapazes de drogar os sábios que os tomam à beira de perder o saber viajando num mundo ilusório.

Da janela escura do meu quarto sinto o cheiro da chuva urbana trazendo tristeza ao infeliz mundo, utopicamente feliz. De sorrisos plastificados; de bocas secas espelhadas em almas igualmente vazias.

Da janela escura do meu quarto enxergo-me bem em vários eus passados, da ignorância sábia de não saber o futuro.

Da janela escura do meu quarto enxergo o passado, vivo o presente e temo o futuro. Não nesta ordem e nem nestes tempos, afinal, estes se confundem na ignorância de todos os sábios.

Da janela escura do meu quarto desabo buscando o passado das ruas lembaixo ou o futuro da incerteza da queda, certo de fugir do presente.

Thiago Rezende (um eu que já não existe mais), 11/02/04

A Lágrima - Thiago Terenzi

02:27 postado por Thiago Terenzi





A LÁGRIMA – Thiago Terenzi

Escondo o que há de melhor em mim. Perdoe-me, mas sou limitado demais para mostrar-me por inteiro. Preciso do olhar blasé e do sorriso plastificado. Preciso mostrar-me menor, pois tenho medo de existir por completo – perdoe-me. Escondo o que tenho de mais humano em mim.
Pois livrei-me das crenças e das pasárgadas, mas restou-me a humanidade – nua em pêlo. Restou-me aquilo que me torna existível (e ao mesmo tempo torna o existir insuportável), mas tenho medo de mostrar-te. Tenho medo de gritar a plenos pulmões um grito sem significado e odeio este medo. Tira-me o medo e traz-me a coragem, pois preciso transcender. Faz-me ir além, por favor. Apego-me a ti, pois és o que resta. Sou pequeno e limitado demais. O que escrevo é muito mais do que sou – odeio ser algo além do que posso ser. Tenho medo e quero dormir, apenas, mas as palavras me saem pelos olhos e tenho que escreve-las – não se engane: eu não sou tão grande quanto as letras tortas que escrevo. Sou um embrião com frio a procura do útero.

Mas há tanta vida em algum lugar de mim que tenho medo de encontrar-me. Não sei se quero tornar-me o que sou de melhor. Não estou preparado. Sou pequeno demais para arriscar-me em vôos altos. Abraça-me e diga que está tudo bem. Mostra-me o que perdi aventurando-me no que não sou capaz. Traga de volta minhas pasárgadas, pois nunca estive preparado para perde-las. Não quero ir além. Viver dói.

Quero gritar. Amo a música, pois esta me dá desculpas para tal. Viu? sou tão pequeno que preciso de desculpas. Sou o menor entre os menores seres – justamente por ter algo de grandioso e não saber usar. Sou pequeno por ter, em meu peito, uma luz tão forte que trás medo. Não critiques-me, tu, por favor – és o que resta, traz-me conforto. Diga-me, tu, mentiras, pois tenho medo do que é verdadeiro.

Tenho medo de ser-me eu – apenas quem olhou meus olhos e capturou o instante nunca dito sabe do que digo. Mas não queira ser-me. Basta dizer-me o que peço a ti. És o que me resta e tenho medo de perder-te. Preciso que digas palavras mortas para da morte tirar meu existir. És necessário a mim... Não deixe de ler-me. Por favor... não sou tão nobre escritor, daqueles que escreve para satisfazer-se apenas. Escrevo, eu, pois preciso de ti. Mesmo que nunca saiba, eu, quem tu és. Preciso que me leias e traga-me o conforto materno enquanto busco em mim algo que faça sentido.

Mas não me critique. Estou fragilizado demais para críticas. Sei que és maior do que eu, mas diminua-te, por Deus, ao meu nível e diga os clichês necessários que imploro. Faz-me ser raso, pois a profundidade mata aos poucos – e quero morrer de morte rápida. Aos 27.

Queria dizer-te sem rodeios o que preciso que saibas. Mas sou pequeno demais para entender-me. Sou uma farsa e para fazer o que me é necessário, escondo-me por entre metáforas dostoiéviskianas, filosofias nietzscheanas e análises freudianas. Mas escrevo o que há de mais sincero em mim – escrevo à flor da pele e de olhos fechados.

Eis o que tenho de melhor:

Além dos olhos negros - Thiago Terenzi

02:38 postado por Thiago Terenzi




Eu vi – juro que vi! Fitei muito além da alma e ouvi muito além do grave que se ouve. Ouça-me por favor, pois preciso ser ouvido. Ouça-me o que conto, pois falar-me a tu é tudo o que importa – é o que transforma tudo o que vi em algo especial. Preciso que digas que é especial, pois só assim será. E quero tanto que chega a doer.

Vi – como estava dizendo, juro que vi! Vi além dos olhos negros que eram negros como o mais negro da alma. E assustei-me por ser capaz de ver além. Ah, como preciso contar-te o que vi. Por favor, ouça-me de olhos fechados, pois só a menção de ti contar faz-me os pêlos arrepiarem. Preciso tanto de ti neste momento – juro que não sabes o quanto. Pois o que vi é o que mais importa, mas só fará sentido se disser-me ser especial. Eu, por mim, sou palavra morta. Preciso de ti.

Quero que vejas o que vi – por Deus, ah... como quero. Quero que arrepie os pêlos como os meus estão agora arrepiados. Quero que compreendas o meu jeito tosco de escrever assim como eu me compreendo. Como queria levar-te a ver além dos olhos negros. Como queria mostrar-te ao menos os olhos – e poderia, mas não vou. Vou é descrever-te o que vi, mas não encontro palavras para tal... Seja-me por algum tempo e vejas por si mesmo! Por favor, mas não por muito tempo, pois há algo que jamais suportará ao ser-me. Nem ao menos eu mesmo suporto o fato de ser-me.

Como disse, fitei os olhos negros e vi além. Como era belo e quente e iluminado e inocente e edificante e doce e estimulante o que vi. Queria dizer-te tantas outras coisas, mas não há como dizer. Decifra-me o que quero dizer e sintas por si mesmo. E diz-me que é especial ir além.

Além dos olhos negros há o mundo das Idéias – mas ao avesso: não há verdade na essência. E é tão mais completo assim. Juro que sinto-me completo ao fechar os olhos e lembrar-me do que vi. (Quero que vejas também, mas não és capaz). Felicidade é uma palavra que limita o que senti: é pouco. Não tem a ver com a felicidade, tampouco lembra qualquer outro sentimento que já foi rotulado – acho que enfim senti algo que nenhum outro jamais sentiu: navego em mares que não foram navegados e não tenho medo, pois há só luz (e é tão escuro que queria mostrar-te). Como é difícil achar palavras para descrever um sentimento sem nome. Poderia, eu, criar qualquer neologismo, como alvitranscendência ou pluriteovidência – mas tenho medo de limitar o que senti com palavras. Tenho medo de perder-me ao tentar mostrar-te o que há de melhor em mim.

Vejas, tu, por favor. E diz-me ser especial. Diz-me ser real o que vi – pois só assim será. Olhos negros. Noite morta. Pele macia. Tato. Cheiro de cigarro. Gosto de lágrima. Rosto blasé – diz-me ser tudo real, pois do que vivi até então, talvez nem tu sejas. (os pronomes que uso propositalmente em excesso para expulsar da minha alma o que há de exagero em mim não são reais).

Ah, como quero novamente ver além, mas meu tempo é findo. Julho se aproxima e o inverno é inimigo. Diz-me que não foi em vão e ficarei satisfeito com o que vi. Diz-me com palavras sinceras que encontrei enfim algo que é digno de ser encontrado e morrerei por estar completo – mas diz-me. Pois vi a inocência pura onde os olhos tornam-se negros. Vi a luz da essência e quero embriagar-me em seu clarão. Diz-me que posso amar a luz, por fim. Diz-me que no fim tornar-me-ei senhor do eu mesmo – mas diz-me.

Psicografia - Thiago Terenzi

03:13 postado por Thiago Terenzi





E as palavras que são ditas. E os olhos que se fecham. E o instante que se edifica. E o corpo que se emudece. Tudo em ciclos. O calor cede espaço ao frio – mas, por Deus, há calor sem frio? e se não houvesse, o que sentiríamos? Sinto que o sentir é meu, apenas. Não há mundo além dos meus olhos – é de dentro o frio que arrepia os pêlos.

E escrevo para entender o que há lá dentro. Frases soltas, sem sentido – não é mesmo para ter. A racionalidade me limita – logo eu que já sou tão limitado. Quero ir de olhos fechados, ouvir as teclas traduzirem o que há de escuro no mais escuro de mim. Escrevo para ser-me. Por necessidade, apenas. Não me leia – é pessoal. Não me entendo e não quero que entendam-me antes de mim.

Está tudo dito – tudo o que precisava ser. Mas ainda não me compreendo. Decifro-me e escrevo, mas não entendo. Ao menos não no instante congelado. Traga-me, tu, papel e lápis, pois há nisso a razão do existir – não escrevo por luxo ou para mostrar-me sabedor da língua – língua esta que uso ao avesso, num português particular. Escrevo-me para existir. Para cumprir uma missão que nem sei qual é. Não há opção – existem demônios que habitam sabe-se lá onde de mim e tenho que psicografa-los. Tenho que externar o que há de exagero em mim – uma lágrima, talvez, bastaria, mas não sei se sei chorar. Escrevo.

Nasci póstumo, confesso. Mas não tenho importância para a humanidade. Nasci póstumo de mim, apenas. Não me entendo, mas há algo a ser entendido. A posteridade não me entenderá, mas um eu posterior, talvez. Apego-me a esta esperança. E apego-me ao lápis já sem ponta (não acabe, por favor, és o que resta).

Há a música, também. Mas o que está para ser dito não se molda em melodias – há algo limitante em cada uma delas. Resta-me a prosa – mas as palavras são poucas e não há signos suficientes para traduzir os olhos que se fecham.

Escrevo em palavras simples, pois é tudo o que tenho. Mas há algo além delas. Olhe além do inteligível. Verás – prometo. Há um sopro da verdade no além-mar. Basta forçar a visão. Estou cego demais para enxergar além. Gasto o fôlego que resta desenhando letras – mas não entendo-as.

Há um sorriso. Lábios finos. Cheiro da madrugada. Corpo cheirando a cigarro. Rostos nus. Abraço. – Mas nada disso importa! Descrevo o que há no mundo externo quando busco fazer sentido. Nada disso precisa ser dito. Não há verdade externa – e eu busco alguma verdade para apoiar o corpo cansado. Estás vendo? Não buscarei mais sentido. Não serei mais explícito, pois estarei mentindo. E, por Deus, ao menos agora em meu momento mais necessário – juro que não quero mentir. Não a você – és importante.

Entendo agora o desespero e amor de Clarice por um leitor que nem conhecia. Juro – acredite em mim: este amor existe. Necessito, assim como ela, de você aqui, de mãos dadas. Nunca quis copia-la, mas juro que preciso de ti. Não é loucura – é que decifrar-me trás medo. E a lógica se perde e, então, preciso de ti. Preciso do lápis e do papel e da música e da literatura. Mas preciso de ti.

É que buscar o entendimento verdadeiro requer coragem. É preciso desapego. Não sei se estou preparado, mas é inevitável. Talvez sintas frio como eu. É possível que entendas o que não entendo – sempre fui arrogante demais para confessar-te minhas limitações. Mas tenho.

Poderia, eu, confessar-te em uma linha o que queres ouvir. Mas seria simplista demais. Guarde, por mim, o que há nas entrelinhas, mas não me revele. Há, entre o id, o ego e o superego, coisas que não me quero entender.

SOBRE O TEMPO

15:36 postado por Thiago Terenzi

SOBRE O TEMPO – por Thiago Terenzi




E Ele, assim como Ana, prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu – uma tentativa desesperada, confesso, de eternizar a gota viva do que restou. Com delicadeza, guardou-o como quem toca numa borboleta – frágil. A delicadeza carinhosa, porém, análoga ao amor materno, fundiu-se ao desejo bruto e desesperado de não deixar o instante fugir – esmagou-se, então, a gota da vida pelo desejo de eterniza-la.

O instante findo tornou-se lágrima não chorada.. Pobre Dele que, assim como Ana, acreditou controlar o incontrolável – e acreditar em vão faz doer. É sabido, pois, que, em vão, tenta-se agarrar o momento presente – mas o que restou do presente? Imagina-se o presente, mas o instante fora esmagado segundos atrás – o que sobrou do presente? Respondo: as sobras do que preferem, os outros, de olhos fechados, acreditar. Preferem, os outros, viver de olhos fechados, pois temem abri-lo e constatar que não existe luz. Acreditam numa luz que nunca viram – mas, por Deus, não foram os mesmos que esmagaram o instante? – não os culpo: também esmaguei, assim como Ana, o que me restou. É amor de mãe – e amor de mãe mata.

Culpo o tempo – este sim é cruel (também sou humano e tenho a suja necessidade de achar culpados). Nem mesmo as mães são cruéis: o tempo é. Ele nos rouba o instante, que é tudo o que temos. Roubar-me o essencial é imperdoável. Os outros roubam vidas, riquezas e sorrisos – mas nada disso é necessário. O instante é – tantas coisas disse, em outros momentos, serem essenciais, mas agora estou convencido de que apenas o instante há de ser. Talvez nada seja essência, como disse Nietzsche, mas ainda me convenço em não ser um completo nietzscheano – tenho um lado romântico que me deixa respirar. A essência está no instante, mas esmagaram-no ao tentar protege-lo! A essência terá sido, então, esmagada? Mas e eu, que, assim como Ana e Ele, busco há tempos o que me é essencial? – busco, na verdade, o instante que passou, apenas – não me importa mais se no instante encontra-se a essência (mudo de idéia a cada letra, mas nunca soube mesmo o que pensar).

Fato é que o instante se foi e estou sozinho. Todos os instantes se vão e nenhum me preenche – nenhum preenche Ana e nem Ele. Nos dão o instante, mas ele nunca é nosso. Aquilo que nos fazia respirar não mais o faz – descobrimos, então, a realidade: respiramos independente das coisas boas: eis o fim do romantismo.

Eis, também, o fim do sorriso. O sorriso que sorriu ficou no instante em que morreu. Tudo o que nos tornava seres completos nem mais existe. Estamos incompletos procurando algo que nos consuma. Porque o tempo, cruel, há de também nos consumir – mas isso, astuto, fará no fim. Quando não existir mais com o que nos torturar.

NINHIL – por Thiago Terenzi

03:40 postado por Thiago Terenzi




NINHIL – por Thiago Terenzi

Algo de podre fez-se surgir – alguma verdade de que sabíamos, mas, como que para nos escondermos de nós mesmos, escondíamos do inexorável. Mas surgiu.

Justo quando caminhava, eu, em busca de um nirvana particular tão pouco budista, porém, meu, apenas. Caminhava por caminhos singelos, por rostos finos, por corpos magros de certa inocência – embora fingida -, por ventos frescos e por pensamentos simplistas. Mas surgiu, como haveria eu, há tempos, auscultado, algo de podre.

Então o dia fez-se noite e tive medo – embora nunca soube ao certo como é ter medo. As ruas tornaram-se escuras e, da Contorno, bêbado, não via muito além de imagens distorcidas da janela do meu carro. Meu carro corria, como se a velocidade fizesse tudo parecer pequeno – e, de fato, era. Tudo era fugaz na velocidade da luz – como se a proximidade da morte me fizesse vivo. O último sopro de vida, talvez. A última vontade viva que me fazia crer. O pé sobre o acelerador; a alma sobre a carne. A mão sobre o volante; o tato sobre a pele – o último sopro de vida antes do fim.

E querer o fim não é o absurdo que dizem ser – escolher a hora do apagar das luzes é a maneira mais honrosa de se acabar. Eu dou meu próprio ponto final. É minha opção e, embora queiram me tirar o que me resta, resta o que ainda sou.

E, como que para me destruir por completo, o que ainda sou é tão podre quanto o que surgiu – o gosto amargo do sal que sinto hoje são os restos do que escarrei no passado. A lágrima que seca enquanto forço a visão, secou tempos antes num rosto qualquer.

Em pensar que os segundos eternizados em lágrimas cristalizadas não passam de mera reprodução do que se passou – e em pensar, também, que quando eu disse não ao ser humano, esqueci-me que também fazia parte desta espécie tão incomum. E que o podre e o nirvana estarão sempre em todos os lugares, e que talvez seja apenas questão de se olhar o mundo sob um prisma diferente – em pensar que o podre surgido sempre esteve presente, embora esquecido. Estava aqui.

Bastava, então, o não – mas ficou o silêncio, o que é ainda pior. O não é o mal definitivo, que, com o tempo, aprende-se a entender, mas o silêncio – o silêncio é a incerteza. É a esperança de um sim que nunca virá, e a esperança é a pior das virtudes dos homens. É a certeza de estar morrendo de uma morte inexistente.

É por isso que existe o carro e existe, também, a velocidade – e existe o álcool. É para tornar real o gosto amargo da morte inexistente. A possibilidade já é o bastante – crime é morrer do silêncio nihil da palavra não dita. (Diz-me tudo, por favor...)

Dizem-me, quando dizem, coisas que não ouço. Querem tirar-me com palavras e papelões a velocidade e a brincadeira de brincar de morrer – mas que, então, dêem-me em troca a vida.

Mas queres-me, tu, brincando em outras brincadeiras. Que se fechem, então, as cortinas, pois cansei da máscara e quero embriagar-me.

Do que restou - Por Thiago Terenzi

23:53 postado por Thiago Terenzi






Eles se foram, mas outros vieram. E os outros eram como os que se foram – percebi isso ao olhar o olhar disfarçado, fingindo ser o que não é: o mesmo olho negro, o mesmo sorriso plastificado, os mesmos traços finos, que se arrastam numa beleza andrógena de falsa-inocência. O corpo magro e insosso. Análogo aos que se foram.E tudo ressurge. Como o ouroboro que ilustra o eterno retorno nietzscheano. E tudo desaba. Como a eterna loucura nietzscheana.Logo agora que estava eu livre de mim – estava eu ensaiando os primeiros passos rumo à liberdade, que está logo ali - Vê? Estava tão perto - tão próximo do que me é verdadeiramente meu. Tão longe dos olhos alheios que censuram e destroem e tão próximo da luz que há tempos enxergo em sonho – de tão perto, fui capaz de sentir seu hálito fresco refrescar o meu. Mas voei por mares do além-mar e sei que não és capaz de ver tão longe. Foi erro meu, eu sei. Estava preparado para ir além – para explorar sorrisos de carne e osso e auscultar corações sem cicatrizes – mas não estas preparado. Não és livre de tudo o que é alheio. E eu quero a liberdade.Quanto aos que vieram, trouxeram o que há de pior: o amor. Pois o amor antes da liberdade, destrói – para amar é necessário estar além de si mesmo. E eu não estou. Estou livre de alma, mas não de corpo. Quero corpo e alma.Quanto ao que vi, apenas a silhueta magra, alta e os olhos pedindo ajuda. As mãos passeando trêmulas e o sussurro ao pé do ouvido. Estava escuro. Senti cheiros, mas não sei precisar de que. Senti gostos, mas não me atrevo a lembrar-me o sabor. Senti-me livre, mas foi enquanto a luz manteve-se apagada. Logo ascendeu.
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