O Homem Que Não Assistiu aos Fogos - Thiago Terenzi

03:39 postado por Thiago Terenzi

O HOMEM QUE NÃO ASSISTIU AOS FOGOS


Não. Ele não viu os fogos, nem ao menos travestiu-se em vestes alvas. Não fez brotar em seu peito a esperança costumeira da época e nem serviu-se do espumante guardado há muito em algum armário. Não sorriu, nem foi às ruas. Não fez sequer oferendas à Iemanjá ou Olokun – não morava em região costeira, nem tinha descendência negra aparente, sabia de orixás apenas o que conseguiu absorver de Jorge Amado. Não faria oferenda alguma, definitivamente. Mas nem pulou sete ondas, nem deu-se a first-footing, nem cantou “Auld Lang Syne”. Não tinha supertições. Nem ao menos tinha talões de cheques para ter que se acostumar com a mudança na grafia do ano – era indiferente.
Ficou em casa e, de lá, nem ouviu as pessoas gritando nas ruas ou viu pelas janelas o céu iluminado pelos fogos, como num filme em tecnicolor – adormeceu antes. Na mais completa serenidade.
Talvez porque este mesmo homem estivesse acostumado com a perda – sim, porque o ano que morria, jamais poderia voltar. Era um companheiro que dizia adeus após centenas de dias de convivência. E o homem era frio ao ponto de não retribuir o adeus.
Também estava acostumado ao novo. Não tinha a necessidade de saudar o ano que vinha e, com olhos curiosos, analisa-lo como quem fita uma mercadoria a venda. Era suficientemente velho para prever os vícios retrógrados que o novo sempre apresenta.
Não apresentava, o homem, claro, em parte alguma de sua alma, resquícios de esperança – dessas que todos têm, de que a passagem de ano representasse um novo começo. Uma nova chance de se acertar o que todos sempre erram. – Ele não! Errava com a leveza de saber que não se pode acertar. Não existia recomeço. Apenas o eterno retorno nietzscheano para os mesmos erros.
E quem erra é muito mais livre – pensava ele. Errando, ele transcendia a si próprio. Preferia não rotular fins ou começos. Tudo estava em movimento circular, como um Ouroboro. Não havia o que comemorar.
Quando era criança, ele via os adultos preparando-se para o ano que viria e contando segundos para a sua chegada. Sempre imaginou que algo de espetacular aconteceria. Cresceu e desistiu de esperar.
Neste ano, apenas durmiu enquanto o mundo dava boas-vindas a sabe-se lá o quê.

As Palavras - Thiago Terenzi

12:35 postado por Thiago Terenzi

Ouve-se apenas o barulho do lápis sobre o papel. Nada mais. Talvez porque nada mais é preciso – temos o lápis sobre o papel. O som é chiado, manso, descontínuo. Decerto, nada mais é necessário.


Porque temos o papel e temos as palavras – que são momentos aspergidos do que nos restou. Que são as gotas do elixir que ainda temos. E tenho sede: bebo tudo. Tudo mesmo. Como se as palavras fossem a minha arma contra o mundo: contra eu mesmo.


Com ela, sou imperador – tirano, claro. Sou absoluto em meu poder. Onisciente. Onipotente. Ego Omnia Vincit. Com ela, torno-me o que sou no mais profano de mim. Porque a alma não está em nosso interior – está nas palavras. A alma está na alma.


Ouvi um dia, em devaneio, decerto, dizerem-me, os outros, o que amar. Acreditei – por não ter em que acreditar – e amei – por não ter o que amar. Hoje, vivido de mim, não acredito, tampouco amo. Transcendo o ter por não ter e tenho apenas o que é meu: a palavra.


O corpo envelhece, os cabelos embranquecem, nossos sonhos apodrecem, mas as palavras – essas são eternas. Nossas almas são eternas. Mesmo que a eternidade não dure mais que um beijo roubado. Porque o tempo é uma medida por demais gélida para ser capaz de medir e eternidade da palavra: Duas letras são capazes de mudar o mundo – quatro são as necessárias para parar o próprio tempo. Mais que isso e o universo se expandiria ao tamanho de um ponto final. Fim.


Voltando ao inicio, ouve-se o barulho do lápis sobre o papel. Do ranger do grafite sobre a superfície, nascem as letras, como um parto, nove meses depois da criação. Cria-se a palavra e cria-se, depois, o criador – sim, pois tudo nasceu da palavra, inclusive as letras, que antes de serem letras, eram palavras em busca de algo maior. Porque, às vezes, é preciso ser menor para crescer. E crescer exige a coragem de renegar a própria coragem. É pelo bem maior: é pelo bem da palavra.


O Filme - Thiago Terenzi

16:14 postado por Thiago Terenzi




O Filme

Só você e ela naquele cinema. Claro, dezenas de pessoas estão ali assistindo ao mesmo filme, mas na sua mente, existem apenas vocês dois. O filme? Você nem sabe qual é: sua mente voa longe, por lugares que você nem sabe quais são.

As luzes se apagam, o filme começa e seu coração bate mais rápido. A pipoca, ambos dividem - ela fica no meio e é a única separação entre vocês. Você come rápido, é uma maneira desesperada de achar utilidade para as agitadas mãos. Sem graça, finge prestar atenção ao filme, mas seus olhos vão além da tela do cinema e você escuta o seu próprio batimento cardíaco acelerar.

Discretamente, você se move arredando o corpo mais próximo ao da garota; o movimento é imperceptível, mas você se sente um idiota ao fazê-lo de forma tão grosseira. Sua perna, então, encontra a dela por alguns segundos. Não é apenas um esbarrão, é também o primeiro contato físico entre vocês. Parece besta, mas aquele simples toque despertou-lhe milhares de sensações até então inéditas em seu corpo. O suor frio toma conta de você.

Você se acha tão besta e tão feliz. É como se estes dois estados de ser fossem causa e conseqüência: ser feliz é a conseqüência de ser besta – não a bestialidade pejorativa, essa você não tem, mas sim a bestialidade inocente, aquela que te faz rir nas menores coisas. Ah, você adora esta!

Você também sente seu corpo liberar adrenalina incessantemente. Você mal sabe, na verdade, descrever o que sente, mas é bom: uma mistura de medo e êxtase. Ela é apenas uma garota concentrada num filme qualquer. Como é capaz de causar tudo isso? Pouco importa.

O filme já vai caminhando para o seu desenrolar final e você começa a ficar impaciente. Todos parecem olhar hipnotizados para a tela do filme, mas seus olhos não conseguem. A pipoca já acabou e seu corpo está quase colado ao dela. Você olha para ela, mas ela parece estar compenetrada no filme... Apenas parece! No fundo, assim como você, a mente dela viaja por vários mundos. “Ela também quer”, conclui.

Você continua olhando para ela e sabe que ela já percebeu, apesar de fingir o contrário. O filme está acabando e o seu tempo também. Com o coração acelerado, você enche o peito de ar e sussurra – há minutos vinha, mentalmente, ensaiando o que falar, mas no fim, incapaz de repetir o ensaio, sussurra:

- Posso?

- O quê? – Ela responde sem tirar o olhar da tela.

- Você sabe...

Ela não diz nada, apenas sorri enquanto fecha os olhos. Você também sorri: já sabe o que fazer.
Lentamente, você aproxima seu rosto ao dela beijando-a. É um beijo desajeitado, meio sem querer. Mas já basta, é o beijo mais sincero da sua vida.

Talvez o mais longo, também! O filme já acabou, as pessoas começam a deixar o cinema, mas você continua beijando-a, aproveitando cada segundo do dia mais feliz da sua vida. Foi um filme incrível! Qual era mesmo o nome?

O Indiferente - Thiago Terenzi

16:59 postado por Thiago Terenzi


Era um jovem: vinte e poucos anos, talvez trinta. Talvez tivesse mais, mas os anos haviam sido generosos à sua pele. Pele clara, lisa, jovem; cabelo negro, fino, cedoso. – Mas os olhos tinham mil anos. Tinham a idade de Cristo ou a do mais velho sábio – tinham, com certeza, assistido à criação do mundo (ou à criação de o que criou o mundo), haviam, intactos, sobrevivido à explosão inicial e, indiferentes a tudo, visto as moléculas e os átomos friamente, como que encenando uma equação já escrita, dizerem sim uns aos outros.
Eram duros, frios e velhos, os olhos. Encara-los era como encarar a verdade, e não se pode encarar a verdade – é fato – assim como não se podia encará-los de frente. Não se podia saber da verdade mesmo a verdade estando ao lado: bem nos olhos do garoto-menino. Dizem que os que fitavam seus olhos, enlouqueciam. Loucos por saber demais.
Mas seus olhos – como disse – refletiam a sua mente, que refletia a sua alma – que não refletia mais nada, posto que estava imersa sob a escuridão. E sua alma estava banhada sobre a verdade acumulada desde o momento inicial do existir. Era negra, morna, insossa. Nem triste nem alegre – temo não conhecer palavra alguma que descreva sua alma, então, apego-me a metáforas doistoiéviskianas: era uma alma do subsolo.
Não era, claro, vazia por temer se dar ao mundo – pelo contrário: temo dizer que o vazio se deu ao se dar demais à vida. A alma que se refletia nos olhos do garoto era repleta de vida e de sentimentos e de alegrias e de angústias e de cores e de sons.
Só que de tanto se sentir, sentiu-se nada. É como a dor, que em pouca dosagem, dói, e em dosagem extrema, anestesia-se.
Eram olhos anestesiados, então. Uma alma blindada. Tudo por saber demais.
Não era culpa do jovem garoto a alma que haviam lhe dado. Ele poderia ser mais um ignorante em meio a tantos: mais um que vive e morre sem saber da verdade desnecessária – a verdade que faz morrer ainda em vida. Ele poderia ser feliz por simplesmente ouvir que aquilo o que vivia era a felicidade. Não lhe era necessário receber uma alma tão velha e tão vivida. Ele poderia ser feliz por não ser triste, poderia se apegar à ideologias e crenças. Poderia, quem sabe, até embriagar-se – se, é claro, além da alma jovem, fosse lhe dado um fígado mais resistente.
Mas não. Na antítese eterna divina, fez-se surgir olhos milenares num corpo infantil. Bastou o telefonema que não veio. Bastou o sorriso que não sorriu – o projeto que não se projetou – e tudo se fez.
Na primeira dor, o choro não chorou e, então, a dor morreu. E na morte da dor surgiu a indiferença. E então nossa estória começa - e termina. Sim, porque não existe enredo. Só se pode contar o pré e o pós. O durante não se sabe. Na verdade, nem aconteceu... O chorou não chorou, pôs-se a indiferença e... Nada aconteceu.
Sabe-se apenas dos olhos que refletem a alma que não reflete nada e que nem pode ser encarada.
Sabe-se do choro que não chorou e de tudo o que não se foi. E, então, quando não se foi, não se importou mais saber. Era tudo indiferente. Era apenas um garoto com olhos milenares – olhos que nem lhe pertenciam. Mas não importava mais saber a quem pertencia a sua alma. Era tudo indiferente.
Era indiferente, então, o telefone tocar e o sorriso sorrir. Só como ilustração desimportante, digo que o telefone nunca mais tocou e o sorriso nunca mais se fez. Mas nem fazia falta. Era tudo indiferente.

Era tudo indiferente.


O Leão e a Raposa

22:41 postado por Thiago Terenzi


Existe uma antiga lenda que conta que, há tempos – antes mesmo que o próprio tempo pudesse ser medido -, todos os animais viviam em completa igualdade de direitos, tal como, milênios depois, Marx idealizaria.
Eles logravam igualmente dos benefícios da floresta e, também, arcavam com as responsabilidades sociais exigidas. A igualdade era como um extinto coletivo. Leis não eram necessárias.
Era comum, por exemplo, encontrar todos os tipos de espécie compartilhando e, coletivamente, usufruindo da lagoa de águas límpidas, que ficava bem no centro da floresta: era uma lagoa enorme, cujas margens se perdiam no horizonte. E, de tão grande, era, em proporcional grandeza, bonita. Lindíssima. Era comum estar cercada por animais: Enquanto zebras desfrutavam da água potável de suas margens e aves ensaiavam, com majestosa perfeição, acrobacias aéreas por sobre as águas, hipopótamos banhavam-se e refrescavam-se na lagoa, livres que qualquer preocupação maior.
Quando nossa história começa, porém, a lagoa de águas límpidas estava deserta, exceto por dois animais que bebiam água em silêncio. Um parecia não reparar na presença do outro.
De um lado, o leão, figura imponente, dono de um andar gracioso e um olhar altivo, matava sua sede sem pressa, numa pose majestosa; Do outro, uma raposa, não tão imponente, à primeira vista, quanto o leão, mas dona de um semblante intelectualizado e, ao mesmo tempo, despreocupado, bebia água distraída.

- Não gosto que raposas bebam da mesma água que eu – murmurou o leão quebrando o silêncio.
- Desculpe, não entendi.
- Quando eu estiver bebendo água, raposa, eu quero ficar sozinho – disse novamente o leão, dessa vez num tom enérgico e provocativo.
- Creio que a lagoa seja grande o suficiente para nós dois – respondeu a raposa num sorriso plastificado.
- Você não entendeu. – O leão parou de beber a água e fixou seu olhar no animal ao lado – Não importa o tamanho da lagoa. Enquanto eu estiver bebendo água, ela é minha.
A raposa encarou o leão com um olhar blasé, e, então, respondeu: - Por mais que você deseje isso, leão tolo, a lagoa continua sendo de todos os animais.
- Quem disse? - Não precisa que digam, oras – respondeu a raposa confusa – desde que nascemos, sabemos disso: é o equilíbrio animal.
- Pois então, a partir de hoje, afirmo o contrário. – O leão, então, fitou a raposa com um olhar ameaçador – Afirmo que os leões têm mais direitos que as outras espécies.
A raposa assustou-se. Nunca ninguém havia sido tão insolente.
- Como é capaz de proferir tal heresia? Insolente!
- Escreva o que lhe digo, pequena raposa, - o leão parecia se divertir com o espanto do animal – a partir de hoje, os leões controlarão o reino animal.
- Suponho que seus devaneios naveguem por mares distantes da realidade – zombou a raposa – desde que o mundo é mundo, a igualdade de direitos é preservada, e assim tem dado certo. Assim será!
- Tudo tem um fim, pequena raposa, e a igualdade está ficando antiquada demais para os tempos modernos em que vivemos. Precisamos prosperar, precisamos evoluir.
- Temo que tenhamos conceitos diferentes de o que seria evoluir – respondeu a raposa num tom sério. – Além do mais, você é apenas um leão com sonhos de poder, nada mais que um ditador em potencial. Você pode dizer o que quiser, mas enquanto os outros animais do mundo desejarem a igualdade, assim será!

A raposa foi embora sem olhar para trás e o leão continuou pensativo nas margens da lagoa. Ele sabia que, realmente, enquanto não conseguisse o apoio dos outros animais, seu sonho de poder continuaria sendo apenas um sonho. Era difícil ter que admitir, mas, nesse ponto, a raposa tinha razão.
Sem, porém, deixar-se abater, o leão teve um plano: pediu ao macaco, porta-voz do mundo animal, que convocasse uma assembléia para crepúsculo do dia seguinte, nas margens daquela lagoa. A assembléia contaria com a presença de todos os animais. Assim foi feito.
No dia seguinte, tão logo o sol começou a ceder lugar às trevas, os animais começaram a chegar e acomodaram-se sobre o gramado próximo à lagoa. Eram tantos animais que era difícil imaginar que todos podiam habitar a mesma floresta. Era uma mistura de cores e tamanhos tão incríveis, que, se não fosse caótico, seria belo.
Quando todos já haviam se acomodado, o leão surgiu em um ponto em que poderia ser visto por todos – fez questão, também, de, por escárnio, ficar próximo à raposa – e, num sorriso radiante, saldou a todos:
- Meus queridos animais, muito obrigado por comparecerem a esta convocação. Peço sinceras desculpas por roubar um pouco de suas atenções, mas prometo que o que tenho a dizer é de extrema relevância.
Todos os animais continuaram em silêncio. A raposa, porém, demonstrava sinais de completa desaprovação.
- Todos sabem que a igualdade entre as espécies é cultuada desde os primórdios da vida animal – continuou o leão – É óbvio que temos que reconhecer que ela foi a responsável por garantir a sobrevivência de nossos ancestrais em tempos difíceis. Se não fosse o respeito mútuo pela vida, grande parte de nós não teríamos sobrevivido aos grandes terremotos e atividades vulcânicas que abalaram a Terra quando esta ainda estava em formação. Hoje, porém, felizmente, estamos em paz e a natureza nos presenteia com belos lagos, ao invés de nos reservar vulcões. Vos digo: A igualdade, importante em tempos remotos, já não é necessária nos dias de hoje. E digo mais: já está obsoleta!
Ouviram-se murmúrios por todos os lados. Todos os animais pareciam surpresos, e a raposa esboçou um sorriso. Quando o leão retomou a fala, porém, todos voltaram ao silêncio.
- Ora, meus queridos animais, por que o espanto? Nunca repararam que jamais fomos iguais? Nunca tiveram o desejo de mostrar suas habilidades, mas foram contidos por serem fadados à igualdade? Aposto que muitos de vocês têm habilidades incríveis. Muitos têm aptidão para a caça, mas são impedidos de caçar por não poderem se alimentar de outras espécies animais. Muitos desejam muito e têm que se contentar com quase nada. Muitos passam fome por ter que dividir o alimento com os outros, e se continuar assim, em pouco tempo, todos morrerão de fome – sim, somos muitos animais para pouca comida! Proponho, então, um conjunto de novas leis que irão reger o mundo animal de agora em diante, este conjunto será conhecido como as Leis da Natureza. Iremos trocar a igualdade pela felicidade!
E, então, todos os animais aplaudiram e berraram em uníssono. A felicidade tomou conta de todos. Apenas a raposa parecia assustada com a reação dos animais. Todos aplaudiram, embora poucos pareciam realmente querer ler o cartaz afixado sobre uma grande árvore com o seguinte escrito:

LEIS DA NATUREZA
1 – Todas os animais têm o direito de exercer os hábitos naturais de sua espécie, sejam alimentares ou comportamentais;
2 – Sobreviverá o mais forte, afim de que construamos um mundo de animais saudáveis e resistentes;
3 – Os leões supervisionarão o funcionamento do sistema, podendo intervir em quaisquer aspectos quando se fizer necessário sem quaisquer restrições.

A raposa, taciturna, parecia desolada em meio a tanta euforia. Apenas ela parecia prever o caos que o novo sistema implementaria. O leão, com ar de deboche, se aproximou da raposa e, em meio a risos, disse: - Raposa tola, você, que se faz de inteligente, parece não perceber a lógica dos animais. São todos hedonistas! Basta oferecer o pecado maquiado em alguma ideologia barata, que eles lhe chamarão de rei.

Os Sentidos - Thiago Terenzi

10:13 postado por Thiago Terenzi



Estou procurando, estou procurando. Estou tentando te entender. Estou tentando tirar de você o que vivi, mas nem ao menos sei o que vivi.
Percebo, agora, a falta do que perceber. Como se tivessem injetado em mim uma droga qualquer como, quem sabe, o líquido esbranquiçado e insosso da barata que Clarice descrevera em sua paixão. Mas, dessa vez, causando efeito contrário: vou do nada ao tudo – abandono minha crença da falta do em que crer e vou direto ao mundo, de corpo e alma, ou, talvez, de alma, apenas.
Mas é tudo tão novo, é tão colorido. Percebo demais o mundo e isso me causa espanto. Não, não estou preparado para viver – era tão mais fácil viver dentro de mim. Estava, eu, protegido no útero de minha mente. Mas acho que cresci demais. Cresci e não quero crescer. As cores me assustam e os sons psicodélicos me ensurdecem – Preferia tudo cinza. Era mais fácil.
Era mais fácil estar imune ao mundo em minha bolha protetora. Era tão mais simples não sentir dor ou alegria. Prefiro o ópio à serotonina. Prefiro não sentir, como uma maneira de me proteger.
Mas agora não – agora sinto, e sentir é perigoso. As luzes me cegam e os sons me ensurdecem. Sinto tantos corpos me abraçando que me sinto sozinho. Tateio o escuro, mas não existe o escuro: é tudo claro. E isso me assusta. Meus olhos não estão prontos para enxergar e mesmo assim enxergo – e é só luz.
A luz mostra a realidade – mas não! Não! Por favor, não! – Não estou pronto para a realidade, não agora. Não agora que estava tudo tão bem. Bem exatamente por não estar mal. E tenho medo de tudo ficar mal, tenho medo da realidade ser má. Não, definitivamente não estou pronto para o mal. E se, para ser feliz, for preciso arriscar-se à tristeza – prefiro o ópio.
Está frio, mas agora está calor – preferia quando era morno. E, em meio ao calor, tento te entender. Mas para que entender? Todos sabem que não quero entender nada. Nem, ao menos, me entendendo, e sei que jamais conseguirei. Talvez o fato de eu sentir tenha me feito querer entender – Mas eu não quero querer entender! Quero é o nada! Todos sabem disso e eu nem sei quem são todos – agora quero saber quem são todos.
Eu não quero, já disse, querer nada, e é tão simples isso. Quero um abraço, mas sinto tantos ao mesmo tempo que não sinto nenhum. Perdi-me em meio ao mar e agora já tenho fraquezas! Viu? Quero um abraço – e isso é a maior das fraquezas. Já sinto dor – e está doendo. Quero voltar a ser forte, mas o fato de querer já me faz ser fraco.
O que mais me assusta, confesso, é querer entender. E, por mais assombro que me causa, entendo o que digo! – A vida não me é, e eu entendo o que digo. E, então, odeio.


Amo - Thiago Terenzi

21:31 postado por Thiago Terenzi


Amo. Não sei ao certo o que ou quem, mas disso tenho certeza: amo. Amo, talvez, o segundo que passou, o sorriso que se foi, a dor que nunca mais senti. Amo aquela rua escura entre as tantas da Savassi, aquela que de tão deserta sentia-me completo - amo o que ela foi, não o que ela é. Prefiro o pretérito ao presente. Prefiro a lembrança, por, simplesmente, poder lembrar: é bom moldar o mundo à minha maneira.
Algo, dizem, temos que amar – então eu amo! Amo por ter que amar, talvez. Para tudo, há motivos. Criei os meus. O amor é o motivo do próprio amor. Mas ainda falta o que amar, então criei: amo o próprio amor. Mas o que ama o amor tem, também, que algo amar. Então criei: amo o mundo, mas não este em que vivemos – não sou insensível ao ponto. Amo o mundo que habita em minha mente – o mundo só meu.
É por isso que amo o pretérito. Todo pretérito é mais que perfeito, porque o pretérito é só meu. E tudo o que é meu é perfeito, mas só o que é meu de verdade. - O abismo negro da minha própria mente, este não é meu. No mais puro cinismo, desfiz-me dele como uma mãe que entrega seu filho à própria sorte.
Sem querer me perder por devaneios, volto ao ponto em que parei: amo o passado simplesmente por ser passado. O imperfeito que passou se transforma, como mágica, em perfeição. – Porque, sim, não tenho escrúpulos em distorcer a realidade. O passado é meu, e do que é meu, faço o que quiser. Faço dele perfeição, e da perfeição, o meu abrigo.
Sim, meu olhar blasé disfarça, mas os cegos apressados que passam, agora, pela rua, já perceberam: eu também preciso de abrigo.
Mas meu abrigo é diferente. Sou eu mesmo. É o passado que se transforma em perfeição que se transforma em amor. É o amor que sinto pelo mundo que eu mesmo criei que me faz de abrigo. Abrigo-me no mundo da minha mente, pois nele dito as regras. E como já disse, não sou dotado de escrúpulos, sou um ditador totalitário do meu próprio mundo: as regras são feitas para me proteger. Somente a mim.
Acho que o amor, então, tem por objetivo a proteção. Amamos para não morrer do mundo, talvez. Porque o mundo é veneno e veneno mata. E o amor é a única defesa que temos contra a verdade, que é fria como o mundo.
Não entenda o que digo como uma tentativa de enobrecer tal sentimento – pelo contrário, o amor não é nada nobre! É a mais irrefutável prova do individualismo humano. Sim, porque amamos para buscar a proteção e não para dar a proteção. Damos o amor para recebê-lo, e apenas para isso. Um filósofo alemão, uma vez, disse que amamos não uma pessoa, mas sim a sensação que o amor causa em nós mesmos. Acho, então, que acredito nele.
Mas não quero, também, menosprezar o amor, visto que ele é o antídoto capaz de trazer a vida ao homem. Reconheço sua vital importância. Na verdade, não sei o que quero fazer, enfim. Pouco importa o porque de escrever.
Escrevo, talvez, porque a escrita é o portal que transita entre os dois mundos: o meu e o real. Apenas por isso.
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