O compositor - por Thiago Terenzi
02:24 postado por Thiago Terenzi
Ele cantarolou displicentemente a melodia por longos minutos sem notar que estava sendo ouvido e viu-se, então, em seu momento mais necessário.
E a melodia era tão estranhamente bela que parecia o instante repetido ao infinito. Os acordes se entrecortavam com tamanha voracidade que nos perdíamos entre os compassos e semitons.
Pois era ele e o violão, que era o seu instrumento-útero. E a verdade da música só poderia ser percebida em seu momento-criação – todo o resto era tentativa de enquadrá-la. Apenas aquele instante – o instante primeiro – era importante. A arte estava ali. Todo o resto era industrial.
E as outras tantas vezes que a canção seria repetida em computadores e rádios pelo mundo seria apenas uma tentativa de capturar o instante com os dedos. E os arranjos e produções e modificações que a música sofreria antes de ser gravada seria apenas para escondê-la de si mesma – pois a sinceridade está no momento-criação.
E ele se viu como o poeta que termina o soneto em rimas alternadas. Tão logo findou-se a poesia, perdeu-se o sentido – pois a essência do ser é o estar sendo. Os meios se auto-justificam – não há de se buscar qualquer sorriso póstumo. A arte é por si só. É.
Tão logo o cronista dá seu ponto final, o escrito se torna inútil. Morrem ambos: o autor e a obra. Obra acabada é obra morta. Apenas o instante em que ambos se alimentam é necessário – após o parto, mãe e filho morrem para o mundo.
É que viver é processo inacabado. É imperfeição – como a melodia que desafina em tons agudos; como a nota mal tocada que ressoa pelo traste do violão. E querer perfeição é morrer – é que plenitude e vazio é coisa única. Prefiro estar-me sendo.
E sem notar que o instante se passara, ele gravou a melodia em seu pequeno gravador. Esgotou-se, então, a arte.
18 de novembro de 2008 às 18:29
Como sempre se expressas de forma cativante, aquela que busca tocar a alma de quem lê...
Identidades
18 de novembro de 2008 às 21:31
Gostei ,com certeza, mais que do o outro... mas em um ponto temo não concordar. acontece^^ sempre tiro minha própria visão de tudo. Como no Privativo, não bato bem =)....
19 de novembro de 2008 às 09:28
Ae, valeu pelo comentario no meu blog lá. Agradeço a leitura que vir a fazer, pq to precisando mesmo de leitores.
Valeu pelo elogio tambem.
Abraco!
19 de novembro de 2008 às 17:51
Adorei o texto.
Me apaixonei pelo trecho:
"...E ele se viu como o poeta que termina o soneto em rimas alternadas. Tão logo findou-se a poesia, perdeu-se o sentido – pois a essência do ser é o estar sendo. Os meios se auto-justificam – não há de se buscar qualquer sorriso póstumo. A arte é por si só. É..."
A arte é.
E a sua arte é linda. :)
19 de novembro de 2008 às 17:56
estamos empatados... Desde a primeira vez que vim sempre volto...
bjim
alias: PARABÉNS
20 de novembro de 2008 às 01:29
...e não é que aqui
tem arte pura?!
você escreve divinamente.
arte tbm é isso.
bjus
27 de novembro de 2008 às 16:00
Terenzi...
quando toco minha flauta sinto-me mais completo.
Sou "ser-me" quando ouço o som que ela produz quando meus lábios a encontram.
Abraço.