Sou poeta menor, perdoai!

13:30 postado por Thiago Terenzi


por Thiago Terenzi


Era quase assim – com alguns detalhes esquecidos e outros omitidos a fim tornar a história um pouco mais interessante –, mas, salvo as minúcias as quais me falta paciência para descrever, era quase assim: ele sentava em frente ao computador e falava a si mesmo: Inferno, saiam, letras! e elas não saiam. Tomava uma dose e outra, escutava poesia musicada, ameaçava-se em frente ao espelho e, então, as letras saiam.

Não havia inspiração – ela existia, porém! Ele a havia experimentado duas ou três vezes e vivia, desde então, dos restos do que sobrara na memória. Da falta de inspiração – ou de talento, sabe-se lá – criou uma técnica engraçada de escrita: escrevia o que lhe vinha da alma: palavras sem sentido em construções indecifráveis que ele fazia questão, por motivos desimportantes, de não traduzir à língua inteligível. Assim descrevendo, parece-lhe, ao leitor, grandioso. Não é!

Escrevia sobre a alma por não conseguir escrever utilidades. Tentou, diga-se de passagem. Tentou fazer poesia, mas os versos lhe soavam artificiais. Tentou ser jornalista, mas não conhecia a língua a ponto de escrever em idioma objetivo – era mais confortável esconder-se em subjetividades. Escolheu-se então, pela prosa poética, inútil por excelência.

Mas, num mundo de Machados, Clarices e Dostoiéviskis, escrever para quê? Afinal, tudo o que havia para ser escrito, já o fora. Desde as ladainhas românticas às loucuras machistas nietzscheanas. É tudo sempre mais do mesmo – e ele sabia disso. E escrevia para si mesmo. Primeiro para libertar-se – motivo nobre, afirmo em zombaria – depois para provar-se sabedor da língua. E não sabia nada – enganava uns cinco ou seis, mas não sabia nada.

Queria, ele, escrever sobre sagas e heróis – ou anti-heróis, já que se encantava em ir contra o vento. Queria era escrever diálogos grandiosos e aventuras. Mas seus personagens eram tão mesquinhos que nem a isso serviam. Era gente menor, como ele próprio, cuja vida não renderia duas linhas sequer.

Restava, então, adentrar a alma e descrevê-la em seus textos. Não que ela fosse de alguma forma grandiosa, mas era mar nunca dantes navegado – e costumavam gostar do desconhecido (ele, particularmente, frouxo que era, temia o que não conhecia, mas havia os que gostavam).

E então ele escrevia. Sem saber fazer sentido, escrevia palavras desconexas ao vento. Por não lembrar da gramática nada além de próclises e mesóclises, preferiu descartar as normas e guiar-se pelo ritmo. Escrevia, então, palavras quaisquer até formarem música aos ouvidos. E isso bastava – Bastava a ele, claro! porque aquilo não era literatura. Nem pretendia ser.

É sabido, em primeiro lugar, que as letras têm que se apoiar no papel. E as suas letras eram digitais. E a internet não é abrigo para a literatura. Não é! E ele digitava as letras, mas as letras precisavam ser escritas de próprio punho para terem alma – é aceitável, claro, que sejam digitadas em máquinas de datilografia, desde que estas, óbvio, estejam agarradas ao corpo do criador para serem mãe e filho. Se não, é texto qualquer. Não literatura.

E ele – desculpem-me os devaneios em que me perdi agora pouco – ele escrevia textos quaisquer. Não havia, entre as suas criações, Capitus ou Macabéas, nem mesmo Zaratustras para profetizar ladainhas ao vento. Seus personagens nem ao menos tinham nome. Nem ele os conhecia – quem, por fim, conheceria?

E ele, sem conseguir ver luz na história que narrara, deixou-a de lado, fechou a porta e viveu.

3 pessoas disseram. E você?:

  1. marcus nakayma disse...

    virei seu fã O;O

  2. Matheus. disse...

    Gostei, e gostei mto... embora tenha me afetado pessoalmente. sem servir uma carapuça, mas coitado desse guri.

  3. Thiago Cavalcante disse...

    Thiago,
    as horas se avançam e cá estou eu, no começo dessa madrugada sendo cativado em seu texto.
    Desde já, peço desculpas por minha ausência em seu blog: fiquei duas semanas sem Internet em casa. E, estou me sentindo um pouco enfadado... Não sei expor o que sinto.

    Amigo em letras,
    Seu texto é belíssimo. E sinto-me constrangido por não possuir um léxico mais abrangente para agregar elogios a sua escrita; mas, esforço-me – com uma força suave, procedida d’alma, para agradecer-te por me apresentar textos profundos, toda vez que pouso minhas asas no seu universo.

    Falar sobre inspiração é algo complexo. No livro, Entrevistas – Clarice Lispector; muitos dos seus entrevistados mencionaram algo sobre esse assunto. E continuou – continua, vago o discernimento de tamanha essência. Essência?

    Seu texto levou-me há tantos pensamentos. Tantos artigos vieram-me à tona.

    Mas, mencionarei Machado, nesse momento.:

    Em ‘Quincas Borba’, Ele escrevera:

    “Viverei perpetuamente no meu grande livro”

    e no conto, Cantiga de Esponsais (se não me engano, já o mencionei em um post aqui), escrevera:

    Três dias depois de casado, mestre Romão sentiu em si alguma coisa parecida com inspiração. Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair. Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada. Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais. Teimou no dia seguinte, dez dias depois, vinte vezes durante o tempo de casado. Quando a mulher morreu, ele releu essas primeiras notas conjugais, e ficou ainda mais triste, por não ter podido fixar no papel a sensação de felicidade extinta ..."


    ...

    Isso é profundo. Escrever, tentar; é vontade de pôr o que é morto em nós para fora, numa perspectiva e esperança de que o que nos mata intimamente possa viver, ao sair do nosso âmago e transpor a eternidade, que é a escrita.

    Talvez, eu não tenha dito nada nessa imensidão de palavras que deixei aqui.
    Mas, quero que saiba, que sou expressamente enamorado por seus escritos, Terenzi.
    Voltarei o quanto antes para ler os textos que ainda não comentei.

    Um ótimo domingo pra ti, Xará.

    Shalom.

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