O Estrangeiro - por Thiago Terenzi

20:22 postado por Thiago Terenzi


Ele não costumava ler – estava ali por mero acaso planejado do destino. Leu sim uns dois ou três livros. Não leu os do colégio por pura pirraça – obrigavam-no a ler. E obrigá-lo já era virar-se contra.

Leu, tempos antes, coleções infantis. Gostou. Mas não era um gostar de almas que se tocam – ele apenas gostou e ponto. Era um gostar monossilábico, sem envolvimento. Como quem gosta do café da manhã.

Naquele instante, porém, ele estava ali. Sozinho. Não lhe era comum andar pelas ruas do centro da cidade sem companhia, mas naquele dia, sabe-se lá o porquê, estava ele consigo mesmo solitário fitando a livraria.

O primeiro contato fora estranho: ambos se entreolharam e se encararam num olhar de curiosidade. Eles se temiam. A livraria, embora de portas abertas, mantinha-se atenta e imóvel como uma presa esperando o próximo passo do predador. O garoto, por sua vez, fazia-se sereno. Era um laço tenso que envolvia os dois. Mas havia o laço.

E esse mesmo laço o empurrou para dentro da loja. O misto de receio e curiosidade era suficiente para dar-lhe coragem – e era uma coragem medrosa. Desbravou as prateleiras inundadas de livros como um estrangeiro buscando encontrar-se em rostos estranhos. Andava devagar – era campo inimigo. Todos os olhares voltavam-se contra ele. Era como se todos soubessem que havia um estranho naquele universo. Mas o garoto não era estranho. Apenas queria sabe-se-lá-o-quê.

E de repente o menino parou: encontrara o que tanto procurava. Na verdade, ele que havia sido encontrado – é que só encontra quem um dia procurou e embora soubesse que algo lhe faltava, ele nunca havia procurado. Mas encontraram-no.

E o livro estava ali na prateleira a sua frente. Imóvel. Era uma das prateleiras mais cheias, rodeada por livros de todas as cores. Mas o garoto sabia – sem saber como sabia – que aquele ali alaranjado com letras verde-brilhante era o sabe-se-lá-o-quê que tanto lhe faltava.

Queria ele roubá-lo e escondê-lo em sua roupa e sair furtivamente em direção ao nada. Compra-lo parecia uma idéia pouco atraente – não se compra destinos. Ele queria transgredir, tornar sua paixão um pouco mais difícil. Comprar era simples demais.

Por fim, comprou-o.

Não abriu suas páginas por dias. Apenas fitava-o horas e horas e cheirava-o em seu cheiro de livro-novo. Ler seria invadir uma intimidade que talvez não lhe fora dada. O instante antes do próprio instante já lhe era suficiente. O garoto queria apenas a beira – apenas a possibilidade do êxtase. Acariciava a capa do livro como quem tateia o amor.

Era-lhe suficiente.

5 pessoas disseram. E você?:

  1. . disse...

    Uau. Que texto profundo.
    Porém, confesso, me deixou curiosa... O que houve com o garoto? E com o destino dele? =)

    Eu adoro seus textos. Adoro ler eles. Adoro reler... Ai ai.

    Um beijo, Thi!

    P.S.: Posso chamar de Thi? =)

  2. Thiago Cavalcante disse...

    Boa tarde, Thiago!
    Volto-me ao teu blog e quedo-me em alegria n’alma.
    Abrangente a leitura e interpretação do teu texto. Não sei se conseguirei exprimir algo sobre tão profunda estória. - História com h, na verdade.
    Foram tantas as livrarias da vida que entrei na intenção apenas de ler um pouco mais de mim mesmo. Em determinadas situações, sai com um, dois, três... livros roubados debaixo dos braços. R O U B A D O S. Alguns eu comprei (é certo), mas nunca me pertenceram.
    “Ler seria invadir uma intimidade que talvez não lhe fora dada”
    Isso é perfeito, Thiago. Em síntese, demonstra uma busca de algo que não se perdeu, mas que tenho falta.
    Gosto dos seus textos; reafirmo isso não por lambidela, mas porque eles me impelem a uma subjetividade precisa e peculiar da escrita (de sua escrita), Terenzi. (No meu ponto de vista).
    Um grande abraço, rapaz!

  3. ana. disse...

    Acontece isso geralmente entre eu e os 'meninos' do Rubem Alves.

    ps: Desculpa a ausência.

  4. . disse...

    Como eu adoro seu blog, adicionei ele nos que acompanho ok?
    =**

  5. Thiago disse...

    Aposto que ele não resistiu aos encantos do livro!

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