O Deus

15:33 postado por Thiago Terenzi

Não que existisse qualquer força maior, mas ela descansava sua dor nos ombros do que chamava de Deus. Não que também inexistisse tal força – não cabe aqui especular –, mas a ela, crer bastava. A garota agarrava a idéia de Deus como quem agarra a última esperança. E ao crer, ele existia. E ela suplicava ao vento, que, em meio ao medo, batizara de fé. Era o Deus, que surgira do medo.

Sem qualquer indício de remorso ou autocrítica no olhar, ela criara seu Deus do medo. E lhe era legítimo tê-lo ali. Criou-se um Deus-próprio exatamente quando a noite surgira e fizera-se o medo. Talvez – desculpe-me se assim for – seja, eu, duro demais ao condená-la por seu credo tardio. Talvez carregue, eu, migalhas da crença de que se deve crer desde sempre e não somente ao entardecer. Ledo engano o meu se assim for. Talvez o inverso caiba melhor: pode-se Deus tê-la agarrado pelo braço quando o medo surgiu. Talvez soubesse Ele da fragilidade feminina da garota mulher incapaz de suportar, sozinha, o inverno. Talvez fosse Ele tão mais solidário que tu, incapaz de estender a mão à mulher.

Ou talvez fosse a própria mulher que gritava a si mesma um berro de vida. Talvez a força maior que chamaste de Deus fosse a própria mulher tão maior que si mesma, crescida da dor. Talvez a súplica a Deus fosse, na verdade, uma súplica a si mesma, num sussurro de “sobreviva” gritado aos próprios ouvidos.

Talvez, antes de querer o perdão divino, ela precisasse perdoar a si. Antes de amar a Deus, talvez lhe fosse preciso o amor próprio. Pois, em meio a madrugada, já não importava o fim. Bastava-lhe o vir-a-ser.
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