Fúria

13:45 postado por Thiago Terenzi

– Eu te amo – disse a mulher.

Mas não amava nada. Estava tudo errado, tudo. Tu-do. Confundia-se amor e egoísmo e esquecia-se do amor-próprio, que é necessário. Achava-se que amor era querer-o-outro-pra-si, mas não é, cara, não é. Esquecia-se que amor é muito mais querer-bem-ao-outro pura e simplesmente. Pensava-se que querer bastante e com urgência fosse amor. Estava tudo errado, cara. Media-se amor pela urgência, mas media-se a coisa errada. Amor é de graça, juro. É sereno, calmaria. O resto é egoísmo destrutivo, ciúme, possessividade.

– Amou coisa alguma – respondeu – você me foi apaixonado, gata, e é. Passa o cigarro, por favor, que quero a fumaça.

E fumou. Fumou. Fumou até que a fumaça o engolisse e bebeu seu copo de vodca com coca num só gole – bebida queimando a garganta naquele gosto insosso de vômito preso na boca. Encheu novamente, mais vodca que coca, naquela cor clarinha, quase transparente. Forte pra caralho. Bebeu tudo novamente e quis mais. Quis era pegar o carro às quatro e quinze da manhã e dirigir sem rumo, bêbado, e quem sabe parar numa blitz da Lei Seca, desacatar dois policiais, vomitar em outro, resistir à prisão e se foder.

E, no fim, iria ela num desses inferninhos sujos da cidade, em que as pessoas fazem sexo e cheiram pó enquanto toca rock de péssima qualidade e iria beijar a boca de outros caras sujos que freqüentam lugares sujos e bebem bebidas sujas. E beijaria sem vontade um desses caras, só por beijar, o que é ainda mais imundo e sujo e cruel. Estava tudo errado, cara. Tu-do.

– É amor porra nenhuma, que amor é altruísmo. Deixa eu te ensinar, gata: paixão que é urgente, quer-se a pessoa só pra você o tempo todo, prefere-se isso ou morrer. Paixão que é avassaladora, que não pensa nas conseqüências e é extremamente egoísta porque sufoca o outro pra te fazer bem, gata. Mas mesmo assim ela é necessária, é intensa. O problema é que paixão um dia acaba. Sobra o amor, então, que é a vontade serena de estar junto, que é aquela sensação de segurança quando vê o outro. Como se nada mais faltasse. É sereno, calmo, constrói ao invés de destruir. E disso, gata, será que tem alguma coisa aí?

E então ela chorou, imunda cheirando a cigarro e suor de outro homem. Chorou como uma criança, por horas e horas. E ele fumou outro cigarro e depois outro e bebeu a vodca. E percebeu que aquele choro lhe embrulhava o estômago. Estava tudo errado, cara, tudo. E desejou com extrema raiva estar numa boate e beber o mundo e trepar com três mulheres diferentes ao mesmo tempo, mas no segundo seguinte lembrou que isso era egoísmo, que era isso que matava o amor e que matava os dois. Lembrou que essa dor de agora não era o amor doendo – o amor doía, mas o que se sobrepunha era a raiva, que é egoísmo.

E então, cansado do mundo por hoje, dormiu.

7 pessoas disseram. E você?:

  1. Anônimo disse...

    =(

  2. Anônimo disse...

    é fraqueza desistir no primeiro problema...
    é não amar, quem ama nao abandona, aconteça o que acontecer, principalmente se sao problemas pscicologicos ou fisicos ou o que seja...

  3. Rafael Sandim disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  4. Rafael Sandim disse...

    Há tempos que eu não lia algo tão bonito. =/

  5. . disse...

    Ainda se confunde amor com egoísmo. Culpa do tédio, esse tumor moderno.

    E você, como sempre, tocando no fundo do meu coração.

  6. Thiago Cavalcante disse...

    “Maria Angélica não sabia que já estava apaixonada. Deu-lhe uma grossa fatia de bolo e café com leite. Enquanto ele comia pouco à vontade, ela embevecida o olhava. Ele era a força, a juventude, o sexo há muito tempo abandonado. O rapaz acabou de comer e beber, e enxugou a boca com a manga da camisa. Maria Angélica não achou que fossem maus modos: ficou deliciada, achou-o natural, simples, encantador.”

    Thiago,

    Seu texto me levou ao escrito de C. Lispector no conto ‘Mas Vai Chover’ in A Via Crucis do Corpo. (Fragmento citado acima)

    Há um diálogo entre Fúria e Mas Vai Chover: paixão.

    Não vou me prolongar, mesmo porque, esse assunto é muito complexo e sinto-me insignificante para discorrer sobre esse assunto. Na verdade, não é recusa, são dores que pulsam enquanto escrevo. Tenho para mim que paixão - e até mesmo amor - dói, talvez de dessemelhantes maneiras, mas dói.

    PS.: Contenta-me ler seus escritos, Terenzi. É bom. Peculiar.

  7. Unknown disse...

    Adorei O Grito, Edward mounch. Perfeitamente subversivo.

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