A busca de

16:48 postado por Thiago Terenzi

Se algo de aprendizagem restara àquela garota, este era que: ser mulher dói. E doía-lhe. Doía-lhe de uma dor claustrofóbica de impossibilidade contida. Era-lhe uma tristeza resignada de o-mundo-é-assim-mesmo. E o mundo lhe era assim mesmo. Mesmo com seu olhar decidido e sua coragem plastificada travestida em mulher pós-moderna – ah, mesmo com o rosto ao vento, o mundo doía.

E se algo ficou de tudo isso – por Deus, se algo ficou foi uma compreensão mutua que dividia com todas as mulheres. Ficou a compreensão daquela dor de não pertencer, de estar num não-lugar. Talvez isso a fizesse mulher. Talvez isso a fizesse mãe, porque das mães cobra-se o entendimento. E ela entendia. O que fazer de uma mulher cuja dor lhe é revelada? melhor seria a dor oculta...

E dele, do homem, ficara somente a dor... ele – justo ele – trouxera à garota o entendimento. É que ser mulher era assim mesmo: havia a dor do não-poder. Não lhe era permitido usar certas roupas nem a vaidade de mostrar-se em fotografias nem a dignidade de ter um trabalho. Até como portar-se num banheiro fora-lhe ensinado. E era preciso lutar para simplesmente ser. Era preciso esquecer – e provar o esquecimento – do passado, das noites de bebedeira, das trepadas imorais – mulher, para não escapulir do gênero, mulher, dessas de verdade, não bebe nem usa drogas nem dá no primeiro encontro nem trabalha nem se mostra em fotografias de Orkut nem usa roupas que lhe deixe a beleza à mostra nem vive se da vida não bastar-lhe o homem.

Então – então diz-me, por favor: como tornaria-se, a mulher, ela mesma? como tornar-te ti mesmo se o ti mesmo lhe é proibido? Como sentir-se em casa numa casa que nunca lhe pertenceu? A ela, como mulher, restou tentar caber-se aos moldes. Tentou – juro-te que tentou. Não coube.

Restou-lhe a dualidade feminina: a máscara ou a dor.

3 pessoas disseram. E você?:

  1. Canteiro Pessoal disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  2. Canteiro Pessoal disse...

    Thiago. A fota já me causa impacto. Nós mulheres somos a expressão de lágrimas. As lágrimas já conhecem o caminham a percorrer sobre nossa face. E nossos lábios sempre molhados por elas. Às vezes, tenho por mim que ser mulher dói, assim como penso que os homens pensam que ser homem dói. Sinto-me em dor quando não consigo ser eu, por culpa tão minha, deixo-me ser controlada pela conduta social. Conduta que criamos de escravidão. Penso que ser você causa terror nos outros e por isso a máscara nos cai tão bem, só que lá no íntimo somos tremendos fracassados. O homem, ainda com sua postura de lobo em caça, puro instinto e esquecendo que dentro de si há um ser com sentimentos e pincelado em expressões romancistas e atuar choro. Confesso que acho charmoso um homem chorar e me estrago em derretimento. E quando em partituras letras se derrama, mata a pau uma mulher no letrativo, sai por escrever melhor que uma mulher.
    Seu escrito é espetacular e foge de convenções, faz pensar estando em cima do cume.

    Abraços e paz

    Priscila Cáliga

  3. Thiago Cavalcante disse...

    Terenzi, boa noite. É bom ver seu blog atualizado. Gosto de suas letras.

    "A busca de"...

    "Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim. Eu sou uma miragem:de tanto querer ver-me eu me vejo."

    [Clarice Lispector]

    Abraços.

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