O Indiferente - Thiago Terenzi

16:59 postado por Thiago Terenzi


Era um jovem: vinte e poucos anos, talvez trinta. Talvez tivesse mais, mas os anos haviam sido generosos à sua pele. Pele clara, lisa, jovem; cabelo negro, fino, cedoso. – Mas os olhos tinham mil anos. Tinham a idade de Cristo ou a do mais velho sábio – tinham, com certeza, assistido à criação do mundo (ou à criação de o que criou o mundo), haviam, intactos, sobrevivido à explosão inicial e, indiferentes a tudo, visto as moléculas e os átomos friamente, como que encenando uma equação já escrita, dizerem sim uns aos outros.
Eram duros, frios e velhos, os olhos. Encara-los era como encarar a verdade, e não se pode encarar a verdade – é fato – assim como não se podia encará-los de frente. Não se podia saber da verdade mesmo a verdade estando ao lado: bem nos olhos do garoto-menino. Dizem que os que fitavam seus olhos, enlouqueciam. Loucos por saber demais.
Mas seus olhos – como disse – refletiam a sua mente, que refletia a sua alma – que não refletia mais nada, posto que estava imersa sob a escuridão. E sua alma estava banhada sobre a verdade acumulada desde o momento inicial do existir. Era negra, morna, insossa. Nem triste nem alegre – temo não conhecer palavra alguma que descreva sua alma, então, apego-me a metáforas doistoiéviskianas: era uma alma do subsolo.
Não era, claro, vazia por temer se dar ao mundo – pelo contrário: temo dizer que o vazio se deu ao se dar demais à vida. A alma que se refletia nos olhos do garoto era repleta de vida e de sentimentos e de alegrias e de angústias e de cores e de sons.
Só que de tanto se sentir, sentiu-se nada. É como a dor, que em pouca dosagem, dói, e em dosagem extrema, anestesia-se.
Eram olhos anestesiados, então. Uma alma blindada. Tudo por saber demais.
Não era culpa do jovem garoto a alma que haviam lhe dado. Ele poderia ser mais um ignorante em meio a tantos: mais um que vive e morre sem saber da verdade desnecessária – a verdade que faz morrer ainda em vida. Ele poderia ser feliz por simplesmente ouvir que aquilo o que vivia era a felicidade. Não lhe era necessário receber uma alma tão velha e tão vivida. Ele poderia ser feliz por não ser triste, poderia se apegar à ideologias e crenças. Poderia, quem sabe, até embriagar-se – se, é claro, além da alma jovem, fosse lhe dado um fígado mais resistente.
Mas não. Na antítese eterna divina, fez-se surgir olhos milenares num corpo infantil. Bastou o telefonema que não veio. Bastou o sorriso que não sorriu – o projeto que não se projetou – e tudo se fez.
Na primeira dor, o choro não chorou e, então, a dor morreu. E na morte da dor surgiu a indiferença. E então nossa estória começa - e termina. Sim, porque não existe enredo. Só se pode contar o pré e o pós. O durante não se sabe. Na verdade, nem aconteceu... O chorou não chorou, pôs-se a indiferença e... Nada aconteceu.
Sabe-se apenas dos olhos que refletem a alma que não reflete nada e que nem pode ser encarada.
Sabe-se do choro que não chorou e de tudo o que não se foi. E, então, quando não se foi, não se importou mais saber. Era tudo indiferente. Era apenas um garoto com olhos milenares – olhos que nem lhe pertenciam. Mas não importava mais saber a quem pertencia a sua alma. Era tudo indiferente.
Era indiferente, então, o telefone tocar e o sorriso sorrir. Só como ilustração desimportante, digo que o telefone nunca mais tocou e o sorriso nunca mais se fez. Mas nem fazia falta. Era tudo indiferente.

Era tudo indiferente.


4 pessoas disseram. E você?:

  1. Thello disse...

    Boa cr�nica...

    quem v� a foto at� pensa que ele sabe tocar algo... ��




    xD

  2. Thiago Cavalcante disse...

    Opa!
    Passando por aqui novamente.

    Curti o texto.
    Achei bacana “a alma de um adulto em um menino”. (Entendi dessa forma, e tive uma compreensão positiva do seu texto.)
    Gosto dos seus textos pois encontro neles uma subjetividade, e eu curto isso.
    Ser objetivo pode ocasionar mais dores ainda, e uma das dores seria ao certo a “indiferença”.
    Parabéns mais uma vez.

    “A alma que se refletia nos olhos do garoto era repleta de vida e de sentimentos e de alegrias e de angústias e de cores e de sons.
    Só que de tanto se sentir, sentiu-se nada. É como a dor, que em pouca dosagem, dói, e em dosagem extrema, anestesia-se.”

    Ah... Adicionei seu blog aos meus links.

  3. Diorranes disse...

    Genial.... Saudades tuaaa meu velhoo!!!

  4. Anônimo disse...

    Sim, provavelmente por isso e

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