No mirante
18:53 postado por Thiago Terenzi
Desce do carro e vem aqui. Vista linda, né? grande pra cacete, dá pra ver a cidade toda. Adoro aqui, parece que a gente é Deus, percebe? O mundo rodando lá em baixo e a gente aqui, superior, alheio a tudo. Sente o vento no rosto, gata, e fecha os olhos.
Tá vendo aquela luz forte ali quase no fim do horizonte? ali é o estádio, é o Mineirão. Aquele pretume ali é a Pampulha. A cidade parece cheia de mistérios pras pessoas lá embaixo mas na verdade é só isso aqui. Simples. A gente é que complica tudo.
Tá vendo os prédios altos ali? lá é a boate que a gente tava. Parece que a cidade é grande mas na verdade cabe numa foto, vê? Na verdade essa cidade é toda assim, não sabe se é cidade grande ou pequena. Ainda não se decidiu. Às vezes acho tudo muito grande e às vezes ela me sufoca de tão pequenininha. Mas daqui de cima a gente parece ser maior que ela – e a gente é gata, a gente é. Daqui de cima a gente é o que quiser.
Não sei se você consegue enxergar mas perto daquele relógio do Itaú ali naquele prédio grandão, é por ali que eu moro. Viu? ah, deixa pra lá. Você nunca vai na minha casa mesmo, né? no máximo a gente vai se encontrar em algum boteco por aí. A cidade, mesmo sendo essa imensidão toda, é pequena. A gente vai se encontrar nos botecos da noite, gata, relaxa. A gente sempre encontra quem é da noite.
Muito louco tudo isso, né? ah, isso tudo. Olha pra você ver: neste momento eu estou inteiramente na sua mão mas a gente nunca mais vai se ver. No máximo iremos nos cumprimentar num dos botecos da noite e fazer um comentário com algum amigo do tipo “tá vendo ela ali? trepei há uns três meses”. E depois seguiremos perdidos. Mas neste exato momento eu preciso de você porque você me causa alguma coisa boa que eu nem sei explicar.
Olha, eu poderia me apaixonar por você agora neste exato momento mas não vou. Eu consigo controlar essas coisas, gata. Eu sei quando posso me apaixonar e sei evitar também. É que essa vista bonita deixa a gente meio bobo, meio apaixonado mesmo. Acontece com você também? Não, não se apaixona por mim que eu sou todo problemático. Não daria certo: eu fumo, você não. E tenho mil traumas e coisas do tipo. Além do mais você é legal e inteligente – e a gente um dia ia terminar e nos odiar mortalmente. Não, não quero mais ódio na vida, gata. Quero só amor.
Pode fumar um cigarro? sim, aqui é sempre deserto, sim. As pessoas costumam vir aqui pra trepar e fumar maconha mas eu curto ver a vista, sabe? Claro que vamos acabar trepando e se quiser eu tenho unzinho aqui já enrolado e tudo, mas eu sempre venho pra ver a cidade, pra ser a cidade. Sei que parece loucura mas se a gente abre os braços e fecha os olhos a gente acaba sendo a cidade, entende? E esta cidade é tão triste, fecha os olhos pra sentir. Ela parece com você: cheia de planos lindos mas com um milhão de traumas pra estragar tudo. Deixa de estragar tudo e seja só linda, gata. Como eu descobri seus traumas? eu sei ler olhares. Eu sou da vida, eu sou do mundo, esqueceu? Eu sei ler olhares e gestos. Se você fingir orgasmo eu vou saber, acredite. Eu moro na noite desde os treze, olhares tristes iguais ao seu eu vi aos montes.
Ah, você ainda nem sabe que é triste mas um dia descobre, pode acreditar. É inevitável, gata: você é da noite, como eu. Você não é mulher de lavar roupa e casar, você não é igual às outras. Você é da noite e ser da noite machuca às vezes – mas agora já era. Quem experimenta não volta. Quem tira a coleirinha uma vez não pode usar de novo.
Quer cigarro? daqui de cima a gente parece ser onipotente, não acha? A loucura na cidade lá em baixo e a gente aqui, superior. Quer saber? gostei de você. Não por ser você, mas acho que gostei de alguma coisa em mim gostando de você. Gosto do jeito com que você me faz ser eu. Vai ser uma pena nunca mais te ver. Mas enquanto a gente estiver trepando eu vou fechar os olhos e congelar o instante comigo. Às vezes faço isso: capturar os instantes.
Tô ficando meloso e repetitivo, né? mas é que a gente vai ficando velho e fica meloso e repetitivo mesmo. É inevitável. O céu tá ficando claro, vê? é o sol nascendo. É lindo, olha. É tão bonito que vou me permitir te amar só pra noite ser perfeita. Depois eu te esqueço porque não vale a pena tentar ser o que não somos. Amanhã a gente se esquece daí só vai sobrar uma lembrança gostosa de um dia perfeito. Vai ser legal.
Mas neste instante eu tô te amando, gata, de verdade. Me ama também só até o sol nascer por completo. Agora me abraça e sejamos nós dois.
Nós dois.
19 de junho de 2010 às 00:23
Um salto de fé gigante é fácil.
Lindo texto, palavras belas. Parece que a sua alma está no texto, realmente emocionante. Como é bom ler os seus textos, Terenzi.
19 de junho de 2010 às 13:06
Tão familiar que dói.
"... Muito louco tudo isso, né? ah, isso tudo. Olha pra você ver: neste momento eu estou inteiramente na sua mão mas a gente nunca mais vai se ver.... "
E por ter sido da noite e conseguido colocar a coleirinha de volta, te digo: É possível.
Também estava com saudades daqui. :)
6 de setembro de 2010 às 00:21
Caralho, cara... Acho que amar por uma noite acaba por se tornar um vício na verdade. Nem todos conseguem largar esse amor todo de cada noite pra dormir tranquilo e seguro numa amizade sexual cheia de segurança e afeto. Sei lá, a real é que segurança é um conceito por demais subjetivo e eu sinto falta do colo quente e distante da vida noturna.