Mas há a vida
18:12 postado por Thiago Terenzi
E então, num dos de repentes de viver, ele enfim percebeu e sussurrou a si mesmo num sussurro baixinho de segredo revelado, “então isso é o fim?”. Casa vazia, escura; rostos congelados, silêncio gritante. Então isso é o fim?
A cama, deserticamente vazia, hermeticamente incompreensível – ah, a cama, banhada pelos raios do sol-de-ressaca – a cama denunciava o fim. A garagem vazia – insoluvelmente vazia. O dedo recém liberto ainda marcado pela ausência presente da aliança. Os copos ainda sujos de vinho barato sobre a bancada da cozinha. Os corpos ainda sujos pelo gozo cortante da madrugada. O beijo quase dado ainda compunha o ambiente irritantemente comum daquela manhã. Era um dia irritantemente amarelo. I-rri-tan-te-men-te.
- Então isso é o fim? – sussurrou novamente para sei-lá-quem ouvir.
E então abriu a geladeira: ainda havia metade daquele vinho barato travestido em vinho tinto seco de bom tom. Logo ele que nunca gostou de vinho. Bebia pelo bom tom. Trevestia-se pelo bom tom.
E então encheu o copo e bebeu: era álcool, foda-se. E então repetiu a si mesmo pois repetir fazia daquilo coisa palpável, “então isso é o fim?”. Porque só o palpável era engolível – e era preciso engolir os de repentes como se engolia aquele vinho barato de bom tom: em goles secos e gritantes.
Foi quando percebeu que nunca gostara de vinho – e odiava bons tons. Queria mesmo era beber vodca e escutar Raul Seixas e depois vomitar na privada do banheiro do apartamento e dormir com o hálito azedo de cigarros e enjôos. Mas bebia vinho e ouvia Caetano cercado de gente estranha e comentários inteligentes. E, se queriam saber – e provavelmente nem queriam –, ao contrário dela, ele não era comunista nem marxista nem qualquer outro ismo ideológico. Na verdade, estava era pouco se fodendo pra política ou qualquer besteira do gênero. Aquele papo de igualdade, alienação e direitos do proletariado era só vontade de trepar porque, antes dela, não trepava há três meses mas agora nem importava mais.
Depois veio a paixão. E os vinhos, os Caetanos, os Kafkas, os marxismos e todo o resto. Justo ele que só queria ver os jogos do Cruzeiro e comer McDonalds às quatro da manhã só porque amava McDonalds e qualquer outro lixo plastificado. Mas abriu a geladeira outra vez e teve nojo daquela comida natural. Se era então o fim, por que comida natural na geladeira? Por que diabos comida natural?
Mas então lembrou que a comida natural e os discos de Caetano e os vinhos de bom tom eram porque amava, apesar de. E lembrou que essa coisa gritante e serena que chamam de amor era maior que os Caetanos e os ismos ideológicos – e então o ódio se foi.
Depois de meses de trepadas sem sentido e cocaína barata foi que descobriu que o ódio é saída dos fracos. E então, - não antes de muitas lágrimas – aos poucos, num de repente longo e doído, a dor se foi.
E então sorriu de um sorriso sincero de quem enfim compreendia o fim. E compreendeu que compreender era aceitação serena. Era vasto, bonito. Sem dor.
E percebeu, enfim, que aquele era simplesmente: um fim. Simples, triste e bonito como todo o resto. Aceitou – sereno – e viveu os começos que ainda viriam.
A cama, deserticamente vazia, hermeticamente incompreensível – ah, a cama, banhada pelos raios do sol-de-ressaca – a cama denunciava o fim. A garagem vazia – insoluvelmente vazia. O dedo recém liberto ainda marcado pela ausência presente da aliança. Os copos ainda sujos de vinho barato sobre a bancada da cozinha. Os corpos ainda sujos pelo gozo cortante da madrugada. O beijo quase dado ainda compunha o ambiente irritantemente comum daquela manhã. Era um dia irritantemente amarelo. I-rri-tan-te-men-te.
- Então isso é o fim? – sussurrou novamente para sei-lá-quem ouvir.
E então abriu a geladeira: ainda havia metade daquele vinho barato travestido em vinho tinto seco de bom tom. Logo ele que nunca gostou de vinho. Bebia pelo bom tom. Trevestia-se pelo bom tom.
E então encheu o copo e bebeu: era álcool, foda-se. E então repetiu a si mesmo pois repetir fazia daquilo coisa palpável, “então isso é o fim?”. Porque só o palpável era engolível – e era preciso engolir os de repentes como se engolia aquele vinho barato de bom tom: em goles secos e gritantes.
Foi quando percebeu que nunca gostara de vinho – e odiava bons tons. Queria mesmo era beber vodca e escutar Raul Seixas e depois vomitar na privada do banheiro do apartamento e dormir com o hálito azedo de cigarros e enjôos. Mas bebia vinho e ouvia Caetano cercado de gente estranha e comentários inteligentes. E, se queriam saber – e provavelmente nem queriam –, ao contrário dela, ele não era comunista nem marxista nem qualquer outro ismo ideológico. Na verdade, estava era pouco se fodendo pra política ou qualquer besteira do gênero. Aquele papo de igualdade, alienação e direitos do proletariado era só vontade de trepar porque, antes dela, não trepava há três meses mas agora nem importava mais.
Depois veio a paixão. E os vinhos, os Caetanos, os Kafkas, os marxismos e todo o resto. Justo ele que só queria ver os jogos do Cruzeiro e comer McDonalds às quatro da manhã só porque amava McDonalds e qualquer outro lixo plastificado. Mas abriu a geladeira outra vez e teve nojo daquela comida natural. Se era então o fim, por que comida natural na geladeira? Por que diabos comida natural?
Mas então lembrou que a comida natural e os discos de Caetano e os vinhos de bom tom eram porque amava, apesar de. E lembrou que essa coisa gritante e serena que chamam de amor era maior que os Caetanos e os ismos ideológicos – e então o ódio se foi.
Depois de meses de trepadas sem sentido e cocaína barata foi que descobriu que o ódio é saída dos fracos. E então, - não antes de muitas lágrimas – aos poucos, num de repente longo e doído, a dor se foi.
E então sorriu de um sorriso sincero de quem enfim compreendia o fim. E compreendeu que compreender era aceitação serena. Era vasto, bonito. Sem dor.
E percebeu, enfim, que aquele era simplesmente: um fim. Simples, triste e bonito como todo o resto. Aceitou – sereno – e viveu os começos que ainda viriam.
7 de junho de 2010 às 09:28
O fim não tem sempre que ser o fim, às vezes o fim é apenas um novo início. Seus textos são profundo e intensos, adoro!
7 de junho de 2010 às 21:59
Ótimo texto, tem gosto de um amanheçer quente e vibrante, nem alegre e nem triste, só dia.Recomeço.
7 de junho de 2010 às 22:02
Juro que gostaria de saber de quem é o comentário acima...