O Deus
15:33 postado por Thiago Terenzi
Sem qualquer indício de remorso ou autocrítica no olhar, ela criara seu Deus do medo. E lhe era legítimo tê-lo ali. Criou-se um Deus-próprio exatamente quando a noite surgira e fizera-se o medo. Talvez – desculpe-me se assim for – seja, eu, duro demais ao condená-la por seu credo tardio. Talvez carregue, eu, migalhas da crença de que se deve crer desde sempre e não somente ao entardecer. Ledo engano o meu se assim for. Talvez o inverso caiba melhor: pode-se Deus tê-la agarrado pelo braço quando o medo surgiu. Talvez soubesse Ele da fragilidade feminina da garota mulher incapaz de suportar, sozinha, o inverno. Talvez fosse Ele tão mais solidário que tu, incapaz de estender a mão à mulher.
Ou talvez fosse a própria mulher que gritava a si mesma um berro de vida. Talvez a força maior que chamaste de Deus fosse a própria mulher tão maior que si mesma, crescida da dor. Talvez a súplica a Deus fosse, na verdade, uma súplica a si mesma, num sussurro de “sobreviva” gritado aos próprios ouvidos.
Talvez, antes de querer o perdão divino, ela precisasse perdoar a si. Antes de amar a Deus, talvez lhe fosse preciso o amor próprio. Pois, em meio a madrugada, já não importava o fim. Bastava-lhe o vir-a-ser.
27 de maio de 2009 às 11:17
Thiago...
É bom volver ao seu blog. (Tenho-te como referencial em escrita).
Amigo, seu texto é forte e isso causa tremor em minha estrutura. E se eu for desforrá-lo, certamente emoções aflorarão. E preciso conter-me. Controlar-me no sentido de ser um pouco mais racional.
Lendo-o fui direcionado à Clarice (é sempre assim... risos). Deixo-a então, externar algumas palavras igualmente fortes:
"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar."
Clarice Lispector in: Um Sopro de Vida, 4. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978, pp. 154-155.
Cito também, apenas uma frase do conto PERDOANDO DEUS – “Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar.
...
Terenzi, obrigado por esses momentos de reflexões.
Tenha uma ótima 4ª, rapaz.
Ósculos e amplexos.
30 de maio de 2009 às 18:33
e seria somente Deus todo o temor na mulher, ou uma fuga?
gostei do blog. :D
1 de junho de 2009 às 11:26
Nossa, que saudades daqui. Vou devorar seu blog, já li esse e "o cigarro". Sabe que eu acho seus textos sensacionais né?
Sensacionais por trazerem uma sensação boa. Foda, sabe? Você tem um azul inexplicável.
Beijos!
2 de junho de 2009 às 00:03
Tantas e tantas vezes criamos e cremos em Deus apenas na hora de nosso medo... Amém!
22 de junho de 2009 às 10:43
Um deus tão perto, longe ou até ausente.
A tantos Deus aconchega, liberta, aquieta, ilumina.
Quiçá sejamos nós um prolongamento dos braços de Deus... para ajudar a afastar o medo, os receios, as dúvidas, tanta coisa.
Extraordinária reflexão.
24 de junho de 2009 às 18:53 Este comentário foi removido pelo autor.
24 de junho de 2009 às 18:54
Não preciso nem falar que sou fã dos seus textos neh? Então tá...
Adimiro em você, principalmete, a capacidade de sair de si ao escrever ou- acredito eu, ser a melhor hipótese- trabalhar tão bem o texto que o narrador se perde. Você, autor, supera o esperado. Não há como prever seus textos por te conhecer e isso é sensacional!
Estilo lindo, palavras fortes, ideias originais- ou ideias originalmente trabalhadas-, escrita clariceana. Outro nível de leitura, definitivamente!
P.S.: Acho que, no fim das contas, você também criou seu Deus... Minha curiosidade está em saber qual é ele, será o medo?
29 de junho de 2009 às 11:24
Opa! Bom dia, Thiago.
Passando pra desejar-te uma boa semana e dizer que sinto a ausência de suas letras.
"Há em mim uma coisa que grita porque há tempos nada me dói, e quando nada me dói, nada escrevo, entro em crise" [Danilo Castro]
23 de julho de 2009 às 13:10
Você escreve muito bem,parabens! *-*
o meu Deus,é tão poderoso quanto o seu talento,parabêns.
27 de julho de 2009 às 14:00
Adoro seus textos, e mesmo não atualizando mais meu blog com tanta frequencia eu sempre passo aqui para lê-lo. :-)
Você tem twitter? :*
31 de julho de 2009 às 15:40
Tantos "talvez" nos rodeiam mulheres e homens no mais profundo do ser...
Pensamos criar o mundo, quando na realidade ele nada mais é do que o reflexo de nós.
Todo bem e mal está gerado dentro de nós e a fé também somos nós.
Bjim
LC