O Deus

15:33 postado por Thiago Terenzi

Não que existisse qualquer força maior, mas ela descansava sua dor nos ombros do que chamava de Deus. Não que também inexistisse tal força – não cabe aqui especular –, mas a ela, crer bastava. A garota agarrava a idéia de Deus como quem agarra a última esperança. E ao crer, ele existia. E ela suplicava ao vento, que, em meio ao medo, batizara de fé. Era o Deus, que surgira do medo.

Sem qualquer indício de remorso ou autocrítica no olhar, ela criara seu Deus do medo. E lhe era legítimo tê-lo ali. Criou-se um Deus-próprio exatamente quando a noite surgira e fizera-se o medo. Talvez – desculpe-me se assim for – seja, eu, duro demais ao condená-la por seu credo tardio. Talvez carregue, eu, migalhas da crença de que se deve crer desde sempre e não somente ao entardecer. Ledo engano o meu se assim for. Talvez o inverso caiba melhor: pode-se Deus tê-la agarrado pelo braço quando o medo surgiu. Talvez soubesse Ele da fragilidade feminina da garota mulher incapaz de suportar, sozinha, o inverno. Talvez fosse Ele tão mais solidário que tu, incapaz de estender a mão à mulher.

Ou talvez fosse a própria mulher que gritava a si mesma um berro de vida. Talvez a força maior que chamaste de Deus fosse a própria mulher tão maior que si mesma, crescida da dor. Talvez a súplica a Deus fosse, na verdade, uma súplica a si mesma, num sussurro de “sobreviva” gritado aos próprios ouvidos.

Talvez, antes de querer o perdão divino, ela precisasse perdoar a si. Antes de amar a Deus, talvez lhe fosse preciso o amor próprio. Pois, em meio a madrugada, já não importava o fim. Bastava-lhe o vir-a-ser.

11 pessoas disseram. E você?:

  1. Thiago Cavalcante disse...

    Thiago...
    É bom volver ao seu blog. (Tenho-te como referencial em escrita).
    Amigo, seu texto é forte e isso causa tremor em minha estrutura. E se eu for desforrá-lo, certamente emoções aflorarão. E preciso conter-me. Controlar-me no sentido de ser um pouco mais racional.
    Lendo-o fui direcionado à Clarice (é sempre assim... risos). Deixo-a então, externar algumas palavras igualmente fortes:

    "Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar."

    Clarice Lispector in: Um Sopro de Vida, 4. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978, pp. 154-155.

    Cito também, apenas uma frase do conto PERDOANDO DEUS – “Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar.

    ...

    Terenzi, obrigado por esses momentos de reflexões.
    Tenha uma ótima 4ª, rapaz.
    Ósculos e amplexos.

  2. Julio disse...

    e seria somente Deus todo o temor na mulher, ou uma fuga?


    gostei do blog. :D

  3. . disse...

    Nossa, que saudades daqui. Vou devorar seu blog, já li esse e "o cigarro". Sabe que eu acho seus textos sensacionais né?
    Sensacionais por trazerem uma sensação boa. Foda, sabe? Você tem um azul inexplicável.

    Beijos!

  4. Anônimo disse...

    Tantas e tantas vezes criamos e cremos em Deus apenas na hora de nosso medo... Amém!

  5. tchi disse...

    Um deus tão perto, longe ou até ausente.

    A tantos Deus aconchega, liberta, aquieta, ilumina.

    Quiçá sejamos nós um prolongamento dos braços de Deus... para ajudar a afastar o medo, os receios, as dúvidas, tanta coisa.

    Extraordinária reflexão.

  6. Dóris disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  7. Dóris disse...

    Não preciso nem falar que sou fã dos seus textos neh? Então tá...

    Adimiro em você, principalmete, a capacidade de sair de si ao escrever ou- acredito eu, ser a melhor hipótese- trabalhar tão bem o texto que o narrador se perde. Você, autor, supera o esperado. Não há como prever seus textos por te conhecer e isso é sensacional!

    Estilo lindo, palavras fortes, ideias originais- ou ideias originalmente trabalhadas-, escrita clariceana. Outro nível de leitura, definitivamente!

    P.S.: Acho que, no fim das contas, você também criou seu Deus... Minha curiosidade está em saber qual é ele, será o medo?

  8. Thiago Cavalcante disse...

    Opa! Bom dia, Thiago.

    Passando pra desejar-te uma boa semana e dizer que sinto a ausência de suas letras.

    "Há em mim uma coisa que grita porque há tempos nada me dói, e quando nada me dói, nada escrevo, entro em crise" [Danilo Castro]

  9. M. disse...

    Você escreve muito bem,parabens! *-*
    o meu Deus,é tão poderoso quanto o seu talento,parabêns.

  10. . disse...

    Adoro seus textos, e mesmo não atualizando mais meu blog com tanta frequencia eu sempre passo aqui para lê-lo. :-)
    Você tem twitter? :*

  11. LC disse...

    Tantos "talvez" nos rodeiam mulheres e homens no mais profundo do ser...
    Pensamos criar o mundo, quando na realidade ele nada mais é do que o reflexo de nós.
    Todo bem e mal está gerado dentro de nós e a fé também somos nós.
    Bjim
    LC

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