Deus - por Thiago Terenzi
15:55 postado por Thiago Terenzi
E então ela acordou de um sono necessário sob o único raio de sol que iluminava seus olhos. Levantou-se e banhou-se de uma preguiça inocente e molhou seu rosto: pele alva, traços duros de um sabe-se-lá-o-quê cativante, que nem consigo explicar.
Sobre o espelho, fitou seus próprios olhos e descobriu-se.
Fingia-se de um fingimento artificial que herdara numa rua qualquer – mas, desde então, soube-se num saber particular e bastou. Sorriu. Rendeu-se por fim a si mesma e iluminou-se de uma alegria imperceptível – porém intensa.
É que descobrir-se em si mesma era torna-se estrangeira – e ela tinha medo. Era ir além de um além não navegado e era perigoso: ilimitando-se, talvez, poderia parecer limitada aos olhos outros. E ela fora além de si ao olhar-se no espelho – além de seus próprios olhos.
Pois seus olhos negros de ressaca pareciam esconder o que há de mais humano. Como se o “torna-te quem tu és” da alma se travestisse em felicidade cristã. Como se o que há de melhor fosse ocultado pelos certos plastificados.
Era mesquinho os olhos – de cigana obliqua e dissimulada. Eram olhos de Capitu. Pedaços de uma moral recortada que cobriam a retina. Não enxergava para não ser enxergada.
Ela, porém, fora além da retina e não havia mais caminho a seguir. Ensaiou-se em passos novos, mas não se importou: no além-mundo em que habitava, nada importava – ela era completa por estar ali.
Agradeceu, então, seu estado de graça rezando a um deus que no fundo era ela mesma. Orou-se por longos minutos e sentou-se de frente ao espelho de mãos dadas às próprias mãos.
Abraçando-se por misericórdia própria, teve medo. Pediu-se em oração a coragem necessária para estar ali, só, em sua própria alma e enfrentou, solitária, a dor de existir apoiando-se em si mesma – ser completa exigia-lhe muito mais do que parecia suportar.
Como que num rito de iniciação, molhou seu rosto novamente em água corrente de torneira e batizou o vazio de plenitude e de amor próprio o que era deus. Orou-se em línguas outras o que nem pôde entender – e soube, então, que o não entendimento era benção edificada.
Antes, por fim, de lembrar-se do mundo que a esperava, guardou em segredo sua alegria particular, que era a verdadeira. E, após um amém sussurrado a si mesma, trancafiou sua alma por detrás dos olhos negros e viveu.
9 de outubro de 2008 às 15:52
Oi, Thiago!
Estou agraciado com tamanha abrangência e sutil envolvimento.
Seu texto serpenteou-me a ponto de encontrar-me de mãos dadas comigo mesmo.
Em seu principal Romance - Dom Casmurro, Machado apresenta a essência em contraponto com a aparência. Essência x Aparência.
Capitu, vem de Capitólio = Templo Pagão Grego.
Bento Santhiago = Bento - Escolhido por Deus / Sant - Santo /-/ iago - derivação de Jacó = Enganador.
(O Santo e O Profano, juntos? Não. Por isso que os olhos de ressaca tiveram que morrer na Suíça).
Li seu texto 3 vezes e quero ler mais. (Se me permitir ‘usá-lo-ei’ na aula de interpretação de textos para turma que leciono).
Quando li “É que descobrir-se em si mesma era torna-se estrangeira – e ela tinha medo. Era ir além de um além não navegado e era perigoso: ilimitando-se, talvez, poderia parecer limitada aos olhos outros. E ela fora além de si ao olhar-se no espelho – além de seus próprios olhos." deparei-me com um espelho, não nas mãos dela, mas nas minhas próprias mãos.
Isso é profundo e intenso, Thiago.
Uma coisa que me cativa nos teus textos é o uso dos pronomes: Fingia-se, descobrir-se, olhar-se, Ensaiou-se, “Orou-se”, Abraçando-se, “Pediu-se”... Isso, ao meu ver, enriquece seus textos.
Quando li “Orou-se” veio em minha mente com clareza o significado do nome de Capitu (Pagã) : “Agradeceu, então, seu estado de graça rezando a um deus que no fundo era ela mesma.”
Perfeito, Thiago.
Parabéns, meu amigo.
16 de outubro de 2008 às 14:30
Boa tarde, Thiago!!!!
Escrevo para saber se posso usar seu texto "DEUS" na minha aula de interpretação de textos na proxima 2a feira.
Um abraço.
17 de outubro de 2008 às 01:21
Você escreve bem demais.
Senti algo que nunca senti antes, lendo esse texto.
Ótimo.
18 de outubro de 2008 às 14:06
Menino do céu... nem sei como vim parar aqui, mas tu escreve ebm demais!!!!
Parabéns!
Tô encantada...
Bjinhos e bom finde.
18 de outubro de 2008 às 20:55
Encantas a alma da forma que escreves!
18 de outubro de 2008 às 23:11
Nossa,o seu blog é maravilhoso!
Amei,de verdade mesmo.
Passada obrigatória
beijos
19 de outubro de 2008 às 22:42
Você escreve muito bem, seu texto está lindo, envolvente e apaixonante.
Adorei seu blog, volto aqui sempre!
Um beijo.
20 de outubro de 2008 às 11:30
Thiago,
eu é que agradeço por ser tocado sempre ao ler teus textos. Tens o dom da escrita, rapaz. Isso é notório. Poucos conseguem descrever e externar o que sentem da forma tão peculiar que você consegue.
Interessante a entrevista da Clarice à TV Cultura. Às vezes faz-se necessário o silêncio na ‘entrevista chamada vida’. As palavras são como os rios: profundas e abarrotadas de gotículas de águas (palavras que se escondem - interligadas na / com água).
Dou aula - monitoria na faculdade aonde estudo (interpretação de textos) por isso que pedi a sua autorização em relação ao teu texto "Deus". Obrigado por ceder-me. Shalom.
21 de outubro de 2008 às 06:06
Sobre a frase, a qual viste em meu blog, é de uma música de Alanis, que ao ouvir achei que cabia a mim e a muitos outras pessoas
21 de outubro de 2008 às 20:43
Esperando o próximo, viu?
Boa quarta.
23 de outubro de 2008 às 11:40
hehe obrigado Thiago, passo aqui mais tarde pra dizer o que achei do texto :)
23 de outubro de 2008 às 19:53
Você gosta de espelhos né, Thiago. Senti falta das palavras daqui, bom encontrá-las de novo. Gostei da filosofia de sermos nossos próprios deuses. Não vou adotar, fato, mas gostei de lê-la e imaginá-la. Um beijo, querido.
25 de outubro de 2008 às 21:18
Nossa!
muito lindo oseu blog
Adorei *-*
;*
28 de outubro de 2008 às 18:49
magina,voce merece