ENSAIO SOBRE O FIM – Por Thiago Terenzi

23:59 postado por Thiago Terenzi


Quarto escuro; vento gelado; cabelo ao fogo; olhar vidrado; resquícios de alma – descrevo por nada mais poder fazer. Queria ter algo a falar – mas não, apenas sinto e não sei explicar o que. Por isso descrevo como se bastasse. Descrevo flashes perdidos, pois o que sinto não sei escrever.


Talvez tenha eu vivido a vida que é de se viver por muito tempo e me esquecido das letras. Não vejo nelas nada mais familiar – embora ainda me sejam necessárias. Me enrolo a cada frase mal feita e me perco na falta de o que dizer. Quer dizer, tenho tanto a falar que me dói o peito uma dor agonizante – mas como falar?


Na verdade, sempre enganei a todos: nunca soube escrever. Falam sobre textos como uma mensagem a ser decodificada. Falam de gêneros, sintaxe e gramática. Falam de planejamento, início-meio-fim. Uma mensagem não decodificada, dizem, não cumpre seu papel – mas e eu? eu nunca quis ser entendido. Como ser se nem me entendo? Escrevo tosco e sem sentido apenas por necessidade. Mascaro-me por trás de próclises e mesóclises mal usadas e dizem que escrevo bem. Sou uma farsa.


Escrevi para o jornal uma crônica vazia e editaram meus erros. Substituíram meus pronomes mal usados e minhas vírgulas em excesso: mataram minha alma. Sou ruim e quero ser ruim – quero todos os erros pois escrevo de olhos fechados o que há de mais verdadeiro em mim. Escrevo da alma e a alma é errante.


Mas o que escrever? Sinto que não tenho muito a dizer. Escrevo projetando-me e quero ir-me além. Escrevo preocupado em fazer sentido e não há nada mais limitante. Quero ser-me por assim ser. Quero bastar-me.


Hoje fez calor e agora faz frio. A noite é bonita da janela – tem estrelas e é lua cheia. Mas isso não me basta. E quero bastar-me.


Fui feliz por viver a vida, mas senti falta do vazio e voltei. Acho que tenho medo de ser feliz. A felicidade é difícil. É para poucos – só quem experimentou pode dizer. Talvez eu goste de estar sozinho: ter demais é perigoso e não sou tão grande assim. Quero é ser pequeno.


A solidão é poética. É como o cigarro, que também carrega poesia. Ambos são tristes e a tristeza é cinza. O mundo diz que temos que ser felizes, mas eu não: carrego bem lá no fundo uma tristeza que levo em segredo. É bem lá no fundo, mas é o bastante. É que no fim das contas estamos todos sozinhos, mas fingimos o contrário.


É que no fim das contas estamos buscando algo que não sabemos o que. Meu palpite é que buscamos uma busca sem fim. Mas talvez não haja fim, os meios se justificam por si só.


Sou o meio, mas ensaio um fim que nem sei se quero ter. Não há começos nem finais: há apenas o instante que deve ser cristalizado em palavras – mas, por favor, diz-me como.

6 pessoas disseram. E você?:

  1. Thiago Cavalcante disse...

    Bom dia, Thiago!

    É bom ler algo teu no meu blog.

    O papel de pai é realmente “bem definido”,como você mesmo disse. Mas o mundo é uma incógnita ambulante.
    Minha história de vida é um pouco confusa, mas é real.
    E a realidade por si só mostra-nos que o melhor é perdoar, sem mágoas, sem receios. Não é fácil. Mas no meu caso (em relação ao meu pai) o melhor foi perdoá-lo.

    Quanto à música, És O Meu Herói, não é minha. É uma canção gospel.
    É uma música que revela o amor do Pai (Deus) para com uma criança em desenvolvimento. A letra é forte. O MP3 está sendo tocado no meu blog da mesma.

    Um grande abraço.

  2. Thiago Cavalcante disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  3. Thiago Cavalcante disse...

    Seu texto, ENSAIO SOBRE O FIM - levou-me a um texto recente meu, mas talvez, sem sentido.

    ...

    Escrevo para aquietar a agitação que sinto. Consigo acalmá-la, é bem verdade. Mas com sua quietude vivencio uma dose de solidão, uma melancolia íntima numa taça aonde o brinde são as palavras.

    (Não sei qual "solidão" é melhor produzida, se escrevendo ou se concluindo a escrita - mas escrevo).

    E mesmo em silencio, uso a tinta para manchar o papel; para escrever palavras que vazam em um lugar desconhecido. Alçam vôo ao infinito, quando na verdade o que me enclausura continua guardado comigo mesmo. Silenciado; talvez no tom da fala, mas anunciado na face.
    É escrevendo que consigo tirar a venda dos meus olhos na intenção de enxergar o que me fora velado. Escrevo para que as palavras brindadas consigam suavizar a dor que sinto ao ser separado por reticências.

    (...)

    Continua. Eu sei que continua. Continua aonde? Isso é tão elusivo.

    É como escrever sem ordenar as letras, sem juntá-las. Mas as missivas estão lá, querendo uma junção na expectativa de um sentido lógico. E eu continuo. Continuo aguardando a junção das nossas letras. É também por isso que escrevo; na intenção de amenizar esse hiato tão vasto entre nossas vogais.
    Escrevo para me abençoar. Como disse Clarice, para abençoar a outrem. Um “Outro” bem próximo. Alguém que é brindado quando levanto a taça da solidão.

    ...


    Esse trecho cativou-me a mente: "Escrevi para o jornal uma crônica vazia e editaram meus erros. Substituíram meus pronomes mal usados e minhas vírgulas em excesso: mataram minha alma. Sou ruim e quero ser ruim – quero todos os erros pois escrevo de olhos fechados o que há de mais verdadeiro em mim. Escrevo da alma e a alma é errante".

    ...

    Um abraço!

  4. Ligia Carrasco disse...

    Sabe Thiago, tem um escritor, não sei se você conhece, mas caso não conheça, procure. Procure tudo que puder sobre ele. Me descrever em palavras não consigo, mas ele consegue. Chama-se Caio Fernando Abreu.
    Li seu texto - muito bom, como sempre é - e me veio à cabeça uma frase de um texto dele que é a seguinte: "Não adianta, não sei explicar. As palavras traem o que a gente sente."
    E é de tudo verdade isso. Não vamos nunca conseguir nos descrever com as palavras-letras-pronomes ou seja lá o que for, mas não vai adiantar também dizer pra parar de tentar. A gente (nós, essa parcela que precisa das palavras pra viver) por mais que saibamos do fracasso que é tentar se descrever vamos fazer isso até o fim. E aliás, como diz um amigo, as descrições deveriam ter prazo de validade. Se algum dia se descrever e achar o texto exatamente preciso, aposto que no ano seguinte não te fará mais o menor sentido. Por isso, escreva. E só.

  5. Ligia Carrasco disse...

    Olha, tem esse blog aqui que é de alguém que posta vários textos dele por lá:
    http://semamorsoaloucura.blogspot.com/

    Se puder, procure textos como 'O dia em que Urano entrou Escorpião', 'Para uma avenca partindo', 'Caixinha de música', 'O' dia que Júpter encontrou Saturno', 'Luz e sombra'...
    São os melhores na minha opinião.
    Divirta-se.
    Beijo.

  6. Ligia Carrasco disse...

    E em se tratando de livros dele indico ou Morangos Mofados ou Os Dragões Não Conhecem O Paraíso.

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