O Estrangeiro
16:34 postado por Thiago Terenzi
Ando pensando agora neste trem frio e silencioso, neste trem estrangeiro que liga nem sei quais cidades, nem importa, nunca importou, prefiro mesmo o caminho ao próprio destino. Ando pensando que quanto mais tentamos e buscamos desesperadamente ficar alheios, quanto mais nos perdemos de nós mesmos em busca de alguma outra Realidade Menos Dolorida – ando pensando que quanto mais fugimos - e a gente sempre foge –, mais impossível se torna a batalha. Se tivesse caneta, e nunca tenho, nunca levo muitas coisas, nunca levo nada além de algumas mudas de roupas neutras de qualquer lembrança Sua – se tivesse caneta, anotaria, tão grandioso me pareceu o pensamento.
Ando pensando também que este clima estranho e fechado e soturno e este frio cortante nos convidam à lembrança. E a lembrança é sempre perigosa. Este balanço suave e o barulho da leve camada de neve batendo sobre o vidro, o vento avançando sob as frestas num som agudo típico deste algum lugar do Leste Europeu (ou será França? Inglaterra? Irlanda? talvez algum lugar da Holanda visto o sotaque carregado murmurado entre as finas paredes do trem). Mas ando pensando que este clima propício nos leva à lembrança. Nos leva a querer exatamente o que buscávamos esquecer. Há alguma melancolia nestas terras estranhas que nos convida à catarse. Se tivesse caneta, penso eu novamente, escreveria. Mas nunca tive muito. Nunca fui de possuir, sempre preferi o feeling, o tactus da coisa.
Ando pensando sobretudo – e talvez influenciado pelo clima cinza e estranho deste sabe-se-lá-que-lugar, e ao contrario de toda a fuga planejada nos últimos tempos, New York Londres Berlim Oslo Amsterdam Budapeste e depois nem importava mais qual cidade qual país qual língua, importava apenas ir e ir e ir e buscar alguma coisa que ainda não sei mas saberei, tenho fé, eu acho – ando pensando em te ligar. Ontem ou anteontem, não me lembro, em alguma dessas cidades de céu sempre cinza, sempre noite, sempre triste, vi um senhor, talvez latino, talvez árabe vendendo cartão telefônico internacional. Sabe-se lá o porquê, nunca tenho para quem ligar, não sobraram muitas pessoas nunca tive muitas pessoas, peguei a carteira e procurei restos de euro ou pound, nem me lembro mais, nunca me lembro – e comprei. Ando desde então pensando em Te ligar.
E entre as estações e entre as cidades sempre escuras sempre frias sempre lindas sempre irritantemente lindas, e nos trens ou nos aviões ou nos ônibus, ando ensaiando alguma ligação. Ando ensaiando tantas coisas, acredite. Embora talvez não se valha mais a pena acreditar, já não importa mais ter fé. Ando ensaiando talvez Te dizer algo como. Já não sei mais, acho que não quero, a lembrança é difícil, as cicatrizes estão sempre meio abertas, meio doloridas, meio vivas. Talvez tenhamos destruído todas as possibilidades cedo demais, talvez tenhamos dito cedo demais aquilo que não se deve dizer. Porque éramos jovens, éramos crianças e havia muito para ser vivido, para ser experimentado, sempre há muito para se experimentar quando se é jovem. Eliminamos cedo demais todas as possibilidades – porque há palavras que não podem ser ditas, depois voltar atrás é tão difícil, tão difícil, Você sabe. Re-construir, aprendi com o tempo e com os bares e com o frio, é tão mais difícil que construir, sabe?
Talvez eu pudesse Te dizer tudo isso, talvez eu devesse, antes de mais nada, me dizer. Mas acho que esse frio e esses lugares-sem-identidade e essa neve gélida e essas noites eternas sempre noite sempre noite – acho que não sei mais dizer. Pensei em escrever, sempre fui bom com as letras, mas já não sei em que língua ainda sei sentir. Deve haver um porto, li um dia em algum livro talvez brasileiro irlandês inglês alemão espanhol ou português. Deve haver, repeti. Haverá.
8 de janeiro de 2011 às 09:32
Paradoxal como a distância através das lembranças.
Belo texto ;)
10 de janeiro de 2011 às 00:37
triste, muito triste.
10 de janeiro de 2011 às 04:08
Cuidado para não ficar com "O Coração Peludo Do Mago", nem deixar outrem assim.
11 de janeiro de 2011 às 16:06
os comentários anônimos deixam uma curiosidade estranha na gente...
5 de janeiro de 2014 às 14:25
É sempre difícil ser um estrangeiro em um país estrangeiro, mas é uma experiência que vivemos, eu acho que eu seria capaz de fazê-lo em algum momento, porque Agora todo mundo quer alugar um apartamento