Sobre o entender-me

12:56 postado por Thiago Terenzi



As palavras não importam – digo sem rodeios literários, ríspida e impulsivamente. As palavras são o que há de menor na alma que é texto escrito. É a epiderme, e eu quero – devias querer-te também – no que há no mais profundo.

É que as letras limitam a alma ao dicionário – como saber qual palavra usar? Ignorante, prefiro munir-me no não-sentido. Salvo-me ao escrever caoticamente, que é a forma de escrita primária. É assim: as letras saem e formam ritmos e cores e risos e choros e sabe-se-lá-o-que-mais. E se misturam, as palavras, em formas estranhas. E faz-se espelho da alma – que é caos por natureza.

E escondo-me no simples que há no hermético das palavras. E basta. É simples. É completo. Basta. Prefiro-me assim: nas entrelinhas da não-linha.

A arte

04:02 postado por Thiago Terenzi






Da janela semi-aberta, as primeiras gotas de sol começaram a surgir anunciando a quem quisesse ver – e apenas ela via – que a noite anterior já era dia seguinte. E era dia bonito, o que nascia. Não havia nuvens, e embora as trevas ainda dominassem meio céu, o azul surgia aos poucos em cores de alívio.

O quarto, porém, era noite em traje completo: luzes acesas num amarelo amargo, cheiro de cigarro, Augusto dos Anjos aberto num poema antigo e mofado, bebida pela metade – e ela: olhos semi-cerrados fitando sabe-se lá o quê – olhos inchados de quem não dormia há tempos, os dela. Misteriosos, claro, como se fossem fieis de um segredo doído – como se soubessem a verdade do mundo. Seu olhar perdido parecia acostumado à luz e às trevas. Era estranho – traz medo, confesso. Parecia entender algo que ninguém mais entendia. Uma verdade oculta. E nem por isso demonstrava qualquer brilho maior.

Sobre o colo, o teclado: a mulher digitava compulsivamente. Digitava como se respirasse as letras, como se a palavra fosse uma maneira de manter-se viva. E era. Enquanto escrevia, tinha certeza que suportava. E suportar já era estar viva. Bastava.

E aquilo que a mulher fazia em seu momento mais necessário – aquilo era chamado de arte. Ela, porém, não se enganava: não há nobreza ou beleza na arte. A arte é inquieta e fria. É de uma luz sangrada e triste. E o artista é um ser incompleto. O artista apenas suporta. Ela suportava.

E escrevia como quem transborda. E enquanto escrevia, apenas no instante em que tocava a tecla com o dedo – apenas nesse instante, era feliz. E no instante da escrita, ela não sentia o aperto queimando-lhe o peito. E respirava-se de um ar que lhe era legítimo. E fechava os olhos e sentia-se viva de uma vida que era aos poucos – mas que, mesmo assim, era-lhe a vida.

Nos outros instantes – nos que deixava de lado a escrita para fumar, por exemplo – nos outros instantes, ela entregava-se ao mundo. E cedia por compreender que qualquer resistência seria dor inexorável. E então deixava a dor doer num olhar conformado. E resistia serena fingindo estar viva.

Naquele instante, porém, em que o sol nascia – naquele instante ela abandonou a escrita. E antes que a dor pudesse voltar a matá-la, sussurrou ao vento juntando-se de todo o amor que lhe restava:

- Quero ser-me um dia – e numa voz medrosa, como a de uma criança implorando abraço, finalizou – vamos ser-me juntos?
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