Pequeno
12:29 postado por Thiago Terenzi
É que respirar era custoso. Inspirou aos poucos, medroso – com cuidado para não tragar de uma só vez todo o ar que é vida. Engoliu a saliva numa demora calculada – qualquer movimento brusco e tudo estaria perdido. Bebeu mais um gole da bebida e fumou um cigarro que nem sabia fumar. Tossiu. As mãos trêmulas seguravam-lhe o peito pelo medo deste se romper.
E apenas suportava. Imóvel, engolia a noite gélida para equacionar a dor. Era uma maneira de digerir o insuportável mesmo estando vivo. Usava o que lhe era de direito para mastigar tudo – absorver o que era maior e mais cruel do que poderia suportar. Poderia, ele, gritar de um grito que lhe fosse legítimo – e seria – ou beber o mundo, mesmo este sendo sólido. Mas não. Esvaía-se em silêncio. Morria-se só. Suportando, não sem dor, o insuportável.
E quando tudo lhe parecia escapar por entre as mãos, e a dor e a angústia e o sabe-se-lá-o-quê dominavam o corpo – daí ele dormia. Não era um sono leve. Mas era suportável. Suportável pela beira – quase grito de morte. Mas, ao menos, mantinha-se vivo. Mantinha-se, na verdade, entre o vivo e o não-vivo, entre o que há de pior e a falta de ser. Era-lhe a sua cruz. Era-lhe o preço pago por dizer a salvação é pelo risco. Arriscou-se ao mundo e sabia – por saber de outras lágrimas – que o mundo não é em cores de Almodóvar. O mundo nem ao menos é.
E seria-lhe mais fácil e até mais nobre – ao inferno a nobreza! – berrar um não! à vida. Seria-lhe legítimo dizer não quero mais. Entenderiam. Entenderias tu. Doeria-lhe a alma, mas de uma dor menos intensa. Traria feridas, mas não levaria ao coma. Tiraria-lhe o brilho do olhar – mas não faria de seus olhos, olhos cegos.
Mas não: escolheu-se pelo caminho mais difícil. Escolheu-se por engolir tudo em silêncio, mesmo sendo o tudo muito mais do que ele, pequeno – meu pequeno? –, poderia suportar.
Então dê-lhe as mãos e abraça, por favor, que o pior está por vir. É que a dor do insuportável – que faz do ar veneno e cura – é demais. Queima-lhe a alma. Tira-lhe o brilho dos olhos. E ele só queria dizer-te o que disse tantas vezes. Não conseguiu. A dor tirava-lhe a verdade da face– mesmo sendo tudo a mais pura verdade. E ele não diria nada que não fosse sincero de uma sinceridade cortante. Não estava disposto a jogar baixo. A verdade em seus olhos, embora maquiada pela dor, era o pedaço do que lhe restara. Não estava disposto a perdê-la.
E o que doía-lhe mais e fazia de tudo insuportável era não poder dizer tudo novamente. Poderia, claro, mas não seria de alma – e a sua estava fatiada em pedaços mil. Diz-me tu: alma regenera? (diga sim, por favor, que o frio é muito mais do que o corpo agüenta. Mas seja sincero, que em ambas as respostas, a dor já vem).
A dor já vem.
3 de fevereiro de 2009 às 20:37
ultimamente a dor vem logo e fica,prolongando minha vida.
6 de fevereiro de 2009 às 04:34
A dor já vem. É, logo ela virá.
Você sabe que eu adoro o que você escreve, não sabe? Que eu acho que tu tem um talento unico... Então não vou ficar falando o quanto gosto e o caralho a la quatro.
Nem preciso dizer que volto, acho.
Beijo!
17 de fevereiro de 2009 às 11:57
a dor vem, gosta e nao quer mais ir embora
2 de março de 2009 às 01:13
Thiago, amigo em letras,
Seu texto transportou-me dentro de mim – num grito silenciado, oculto.
Sinto-me invadido por seus escritos – uma invasão saudável – impelindo-me à reflexão.
Ao ler “Pequeno”, lembrei-me de um texto recente meu “Menino” – quero deixar um trecho dele aqui.:
“... Viu-se em si mesmo, e quando assim o fez, pôde transcrever-se ao real. E isso realmente doeu. Não é aplausível contemplar-se gritando quando o mundo exige que seu silencio seja perpétuo. Mas ele assim o fez: Gritou. E por ter gritado, acordara em uma cama molhada, não de prazer, mas de lágrimas: Lágrimas de alvos perdidos. Alvos sem firmamento.
Viu-se em si mesmo, e perturbou-se, a principio.
Clamou em oração. Alimento não trazia à sua boca. Nem água quisera beber.
Contemplou-se gritando parcialmente. Tradições tentaram calar-lhe a voz. Até mesmo as lembranças tentaram-no sufocar. Mas, numa última tentativa, gritou.
E novamente, sentiu-se cansado, mas Menino.”
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Escrever é uma dádiva e oro para que esse dom possa sobrevoar nossas almas copiosamente.
Findo o comentário aqui citando Clarice num dos seus mais belos “gritos”:
"Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão, pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante".
Shalom, amigo.