O Certo
20:46 postado por Thiago Terenzi
E o quarto estava escuro pela luz envelhecida que adentrava o ambiente. Era luz pouca a que vinha da rua – amarela e enjoada. Mas havia a luz. E em meio à semi-escuridão, eles se entreolharam e se reconheceram – os olhares, ao contrário do corpo, que é passageiro, os olhares eram eternos.
- Não o vejo há tempos – constatou a mulher num sussurro cordial.
- O trabalho e o estudo me consomem muito – respondeu o homem como que desculpando-se ao vento – mas venho aqui sempre que posso. Juro.
- Queria que pudesse mais – e mentiu: – mas entendo suas razões.
- Todos temos nossas razões – e fitando-a, pôs-se filósofo: – faz parte do amor entendermo-nos.
Ela, que não era dada à razão, escolheu-se pelo silêncio.
- Senti saudades – confessou ele quebrando o silêncio de frações de segundo.
- Eu continuo sentindo-a.
Eles, anestesiados, fitaram-se e souberam que havia o amor. Para não estragá-lo, porém, despediram-se.
E a mulher olhou o nada com uma certeza perigosa, embora perdida e vazia. É que ela achou que bastava o beijo e estaria salva. Não pensou que, não raro, precisaria renunciar o ser-a-si-próprio para ser feliz. Não sabia que seria preciso dosar o mais necessário de si para não perdê-lo, o homem, em seu próprio individualismo.
E, muda, fechou os olhos e percebeu que até o mais sincero de si deveria sujeitar-se à máscara. As palavras deveriam ser medidas e o abraço, embora sincero, não deveria esmagar o instante. Justo ela, que nunca se dera à política ou ao teatro, teria que dosar. Ela que bebia a vida em goladas, teria que ir aos pingos. Era necessário entender razões. Quais? não sabia, mas teria que entender. Era o certo.
Abrir-se por inteira seria impor-se. E ela não queria a imposição - por Deus que não. Preferia a mascara à imposição. Preferia a dor. Mas, antes de tudo, preferia a sinceridade.
Incomodava-a ser-se aos poucos. Mas era o certo.
21 de fevereiro de 2009 às 20:02
"Faz parte do amor entendermo-nos."
Eu também prefiro a sinceridade.
Você anda escrevendo sobre mim, só pode. Me identifico.
=*
25 de fevereiro de 2009 às 17:04
Às vezes acho que está longe de ser a gente que define o 'certo'. Na maioria das vezes são as circunstâncias que definem isso.
Bacana o texto Thiago.
26 de fevereiro de 2009 às 22:29
acho que sinceridade é uma base. bom começo! A modernidade atropela essas bases, sinceridade, respeito, confiança...
O homem moderno não consegue mais dar um sentido positivo à sua própria atuação, ele procura assim fugir... Evita o tempo, esquece o momento presente, mergulha no mundo do “entretenimento” para aliviar o peso de seu tempo cotidiano e sem sentido. A essência esvaece e nosso ser apodrece.
3 de agosto de 2009 às 02:27
Só vou falar, sem pretender maiores... sem pretender; que me encontrei. Esse foi, definitivamente, o texto que mais me agradou. Talvez pq o tenha trazindo pro que sou e, no meu egoísmo, achei-o melhor. No fim, sempre gosto do que leio aqui... Essas minhas palavras são inúteis!