Oração à felicidade

03:07 postado por Thiago Terenzi


E ele, por fim, fez de conta ser feliz e, então, foi. Ouviu os pingos de chuva baterem metálicos sobre a superfície que o cobria e sorriu de alegria sincera. Olhou-se em seu próprio olhar negro e viu-se sereno – de uma serenidade sem motivo, de ares perdidos numa quinta-feira errante pela madrugada.

Perdido em meio à noite – que é fria e ingrata –, parecia não temê-la. Ao contrário: fitava-a altivo, como quem experimenta o líquido salgado que é estar-se completo. E estava: não por ter tudo – mas por seu oposto. Sentia-se, o garoto, parte do mundo – e não dono dele. E isso lhe dava uma tranqüilidade serena que umedece os olhos.

E, deitado sobre o colo da própria noite – personificada em carne e osso –, abriu a alma e sorriu. Sentiu-se forte de uma força que lhe era legítima e arriscou-se a sonhar. “A salvação é pelo risco”, ouviu um dia em leituras passadas – e então arriscou-se em ser feliz. E foi. E sentiu o cheiro do colo, que era macio e adocicado e adormeceu.

E então, já adormecido, desejou congelar o instante e chamá-lo de seu – era apenas o que desejava possuir. Abriu os olhos, capturou a áurea do que era ser feliz e guardou-a firme em suas mãos. Firme o bastante para jamais deixá-la escapar. E não deixaria. Ainda embriagado pelo perfume escuro e quente da madrugada, sorriu de seu sorriso mais sincero. Era um sorriso interior, que não se refletia em sua face – ela continuava serena. Era um sorriso que, muito mais que os músculos faciais, contraía a alma.

E era ele de uma felicidade tão sincera e simples, que chegava-lhe a doer o peito. Doía-lhe pelo excesso: a perfeição de estar-se sereno não lhe cabia no corpo humano. Ele, então, gritou-se em um sussurro de libertação e sentiu-se curado. Ninguém pôde ouvi-lo. Mas o grito estava lá. E ele, por instantes, também não pôde ser visto – não em meio ao escuro da madrugada – mas sabia, sem saber como sabia, que também estava ali. E que aquilo, enfim, era a felicidade.

Amém.

5 pessoas disseram. E você?:

  1. JORGE CAPEL disse...

    gente inspirador isso.

    respondendo sua msg, leia sim, foi um dos melhores livros que eu já li por diversão, daqueles que vc nao consegue parar.

    bom fds!

  2. Ligia Carrasco disse...

    "Era um sorriso que, muito mais que os músculos faciais, contraía a alma." Não me pergunte, pois não sei explicar, mas gostei de ler isso um bocado.
    Não sei muito quais palavras dizer, mas gostei. E ah, sobre seu livro do mês, Ana Cristina Cesar é fenomenal.

  3. Thiago Cavalcante disse...

    Thiago,
    boa noite, amigo.

    Suas letras, logo no início do seu texto, levaram-me a uma frase de Clarice:

    "Ela acreditava nos anjos. E porque acreditava, eles existiam".

    No decorrer da leitura, pude ver-me em sua escrita. Escrevi algo similar no meu último post 'Menino', talvez, em esferas díspares, mas com alguma coincidência. E alegrou-me essa ligação em caligrafia.

    Eu tinha um certo receio da noite.
    Na verdade, ainda tenho. Não costumo trocar o dia por ela, mas há exceções. Toda regra, eu acho. (?) Risos.

    ...

    Comecei a comentar apoiado em Clarice e termino com outro trecho dela:

    "Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão, pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante".

    ...

    Um grande abraço, Terenzi!

    Amém!

  4. Thiago disse...

    Amém! hahaha adorei isso Thiago! Felicidade assim é boa!

  5. LC disse...

    Nossa que coisa gostosa de ser lida.
    Fiquei com vontade de gritar
    AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

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