Alegria Particular - por Thiago Terenzi
17:10 postado por Thiago Terenzi
A felicidade, por exemplo, me vem em gotas. Eu, que não sou bobo, guardo todas na palma da mão. Alegro-me nas gotas pequenas – e essa alegria é maior que todas as outras. É que vem de dentro e é tão simples e curta e intensa e contida – é como o sorriso ácido de quando se lê Machado de Assis.
Hoje, por exemplo, sorri de alegria instantânea – dessas que duram apenas milésimos de segundos – um sorriso quase sem motivo. É que é bom conseguir capturar o instante e congela-lo. É que alegria instantânea é tão rápida que só se torna alegre na lembrança. E eu ri por motivo bobo: porque decidi fazer desse texto algo estranho (adoro tudo o que me é estranho). É que tanto faz colocar o ponto final aqui ou nas próximas linhas – o que precisava ser dito já foi.
Estou sozinho em casa e a solidão me alegra os ouvidos. Todos se foram; eu fiquei. E estar só, às vezes, é experiência transcendental. É quase um louvor sabe-se lá a quem. É a felicidade inconseqüente – e é tão sublime que quase parece tristeza. Mas não é! descobri há pouco: não é!
Pensam, os outros, sempre em opostos – abandonei esta idéia. E então descobri a não-tristeza que é alegria. Carrego agora lágrima e riso, juntos – e os opostos se parecem tanto! Antônimos são na verdade sinônimos travestidos. E me diz, é alegria ou tristeza? Segredo...
Porque o segredo me trás uma felicidade silenciosa sobre a qual não quero falar. Assumir a felicidade-instante é esgota-la. E tenho medo de perde-la (tenho medo de tanta coisa).
Tenho, inclusive, medo da liberdade – por isso me sou livre em segredo. Ela me é necessária – mas olhar para os lados e encarar o vento sem rédeas é difícil – exige uma responsabilidade para a qual não estou pronto. Às vezes finjo estar preso a alguma coisa assim como finjo uma tristeza inexistente só para ser-me mais completo. É tudo de mentira, mas às vezes esqueço que finjo e tenho medo de verdade.
Às vezes, enquanto inspiro e espiro, tenho medo de expirar-me a inspiração. São palavras tão parecidas e tão perigosas que nem sei se inspiro ou inspiro-me. É que me confundo nas palavras e não sei como usa-las. Como transcrever a felicidade muda que é tristeza abençoada? É tão particular que faço das palavras minha casa...
ENSAIO SOBRE O FIM – Por Thiago Terenzi
23:59 postado por Thiago Terenzi
Quarto escuro; vento gelado; cabelo ao fogo; olhar vidrado; resquícios de alma – descrevo por nada mais poder fazer. Queria ter algo a falar – mas não, apenas sinto e não sei explicar o que. Por isso descrevo como se bastasse. Descrevo flashes perdidos, pois o que sinto não sei escrever.
Talvez tenha eu vivido a vida que é de se viver por muito tempo e me esquecido das letras. Não vejo nelas nada mais familiar – embora ainda me sejam necessárias. Me enrolo a cada frase mal feita e me perco na falta de o que dizer. Quer dizer, tenho tanto a falar que me dói o peito uma dor agonizante – mas como falar?
Na verdade, sempre enganei a todos: nunca soube escrever. Falam sobre textos como uma mensagem a ser decodificada. Falam de gêneros, sintaxe e gramática. Falam de planejamento, início-meio-fim. Uma mensagem não decodificada, dizem, não cumpre seu papel – mas e eu? eu nunca quis ser entendido. Como ser se nem me entendo? Escrevo tosco e sem sentido apenas por necessidade. Mascaro-me por trás de próclises e mesóclises mal usadas e dizem que escrevo bem. Sou uma farsa.
Escrevi para o jornal uma crônica vazia e editaram meus erros. Substituíram meus pronomes mal usados e minhas vírgulas em excesso: mataram minha alma. Sou ruim e quero ser ruim – quero todos os erros pois escrevo de olhos fechados o que há de mais verdadeiro
Mas o que escrever? Sinto que não tenho muito a dizer. Escrevo projetando-me e quero ir-me além. Escrevo preocupado em fazer sentido e não há nada mais limitante. Quero ser-me por assim ser. Quero bastar-me.
Hoje fez calor e agora faz frio. A noite é bonita da janela – tem estrelas e é lua cheia. Mas isso não me basta. E quero bastar-me.
Fui feliz por viver a vida, mas senti falta do vazio e voltei. Acho que tenho medo de ser feliz. A felicidade é difícil. É para poucos – só quem experimentou pode dizer. Talvez eu goste de estar sozinho: ter demais é perigoso e não sou tão grande assim. Quero é ser pequeno.
A solidão é poética. É como o cigarro, que também carrega poesia. Ambos são tristes e a tristeza é cinza. O mundo diz que temos que ser felizes, mas eu não: carrego bem lá no fundo uma tristeza que levo em segredo. É bem lá no fundo, mas é o bastante. É que no fim das contas estamos todos sozinhos, mas fingimos o contrário.
É que no fim das contas estamos buscando algo que não sabemos o que. Meu palpite é que buscamos uma busca sem fim. Mas talvez não haja fim, os meios se justificam por si só.
Sou o meio, mas ensaio um fim que nem sei se quero ter. Não há começos nem finais: há apenas o instante que deve ser cristalizado em palavras – mas, por favor, diz-me como.
Textos do passado [3]: "O Vazio Sem Nome"
23:36 postado por Thiago Terenzi
Após algum tempo sem publicações, penso em postar o último texto da série de "coisas" que escrevi ao longo da vida.
Segui, como talvez seja fácil perceber, uma ordem cronológica. "Espelho Seu", de 2004, "O Velho e o Espelho", de 2005 e agora um texto escrito em 2006, com 16 anos.
Não postarei textos de 2007, uma vez que o blog teve início nesse ano e basta alguns cliques para encontrar vários textos.
Quis criar neste blog um caminho - abandono, aqui, qualquer idéia de progresso - ligando todas as minhas fases através do que escrevi.
Faço isso por mim mesmo. Quero, talvez, descobrir-me em eus passados.
O VAZIO SEM NOME
O pior é quando chega a noite. Fria e escura. Acendem-se, então, as lâmpadas artificiais. Mas elas não são de verdade, são amareladas e frias. É inevitável, assim, como se a própria noite convidasse, encarar-se no espelho. Este reflete não a nossa luz, mas sim uma luz qualquer, fria e escura.
Então, nos encaramos e olhamos diretamente para os nossos próprios olhos. Neste momento, percebemos que apesar de tudo o que fizemos, nada mudou. Nada muda. Nunca. Vivemos toda uma vida para no fim, tudo ser
Talvez a falsa ilusão de que podemos mudar alguma coisa seja necessária para o ciclo da vida. Talvez nossas mentes não resistissem se soubessem que não existe, em nada, sentido. Teimamos em fazer tudo ter sentido. Teimamos em pensar que somos algo, sem ao menos saber o que é ser algo. Inventamos, então, os nossos “algos”, mas estes, de tão efêmeros, não sobrevivem ao fim. Pelo contrário, são descobertos por nós mesmos enquanto nos fitamos no espelho, numa noite fria e escura.
Teimamos, durante o curto momento lúcido que nos é oferecido, em fazer o que não somos capazes. Talvez como uma maneira – inútil, por assim dizer - de se evitar o fim. Cultuamos o belo fingindo não saber que, como um sonho bom, este sempre se extingue. Fingimos ser inteligentes e cultos sem saber que o ínfimo que sabemos terá fim assim como nós mesmos. Escrevemos livros ignorando o amarelar das páginas. Vivemos fingindo as verdades que nos fazem melhor.
O ópio que usamos para evitar o vazio da falta de sentido nos remete a um vazio análogo, ao qual não somos capazes de dar nome. É impossível, talvez, nomear este vazio por sua falta de fronteiras, pois um nome sempre impõe limites ou classificações. E é impossível classificar o inclassificável. O vazio sem nome, talvez, seja a origem de todas as dores.
Talvez nosso cérebro esconda a verdade no abismo mais escuro de si mesmo para nos proteger. Talvez ele saiba que somos limitados ao ponto de não poder sentir dor, e é sabido que a verdade é a mãe causadora de todas as nossas dores. Dores estas que são fragmentadas em outras tantas de tamanhos pequenos, a fim de fazer da vida algo suportável. Nosso cérebro, como fiel guardião deste segredo, suicida-se dentro de nós mesmos, para que nunca possamos chegar à verdade.
Há, confesso, os que desafiam a lei natural das coisas e, corajosamente, numa noite fria e escura, olham-se no espelho em busca da verdade. Estes, por ousarem buscar o que não lhes é de direito, são condenados à dor eterna. Enquanto vagam pelo negro caminho de suas próprias mentes, são obrigados a abandonar todos os pensamentos que lhes serviam de suporte e experimentam, então, andar por suas próprias pernas. Descobrem, assim, que o ser humano não é capaz de andar sozinho e se vêem jogados num lugar qualquer de uma rua desconhecida sem se ter para onde ir.
Eu lhes digo que quase alcancei o caminho da verdade e confesso que senti, sobre meu rosto, o hálito do vazio sem nome. Cheguei aonde nenhum outro jamais chegou: no abismo da minha própria mente. Mas tive medo e frio, deitei na cama, enrolei-me sobre o travesseiro e dormi.