Além dos olhos negros - Thiago Terenzi
02:38 postado por Thiago Terenzi
Eu vi – juro que vi! Fitei muito além da alma e ouvi muito além do grave que se ouve. Ouça-me por favor, pois preciso ser ouvido. Ouça-me o que conto, pois falar-me a tu é tudo o que importa – é o que transforma tudo o que vi em algo especial. Preciso que digas que é especial, pois só assim será. E quero tanto que chega a doer.
Vi – como estava dizendo, juro que vi! Vi além dos olhos negros que eram negros como o mais negro da alma. E assustei-me por ser capaz de ver além. Ah, como preciso contar-te o que vi. Por favor, ouça-me de olhos fechados, pois só a menção de ti contar faz-me os pêlos arrepiarem. Preciso tanto de ti neste momento – juro que não sabes o quanto. Pois o que vi é o que mais importa, mas só fará sentido se disser-me ser especial. Eu, por mim, sou palavra morta. Preciso de ti.
Quero que vejas o que vi – por Deus, ah... como quero. Quero que arrepie os pêlos como os meus estão agora arrepiados. Quero que compreendas o meu jeito tosco de escrever assim como eu me compreendo. Como queria levar-te a ver além dos olhos negros. Como queria mostrar-te ao menos os olhos – e poderia, mas não vou. Vou é descrever-te o que vi, mas não encontro palavras para tal... Seja-me por algum tempo e vejas por si mesmo! Por favor, mas não por muito tempo, pois há algo que jamais suportará ao ser-me. Nem ao menos eu mesmo suporto o fato de ser-me.
Como disse, fitei os olhos negros e vi além. Como era belo e quente e iluminado e inocente e edificante e doce e estimulante o que vi. Queria dizer-te tantas outras coisas, mas não há como dizer. Decifra-me o que quero dizer e sintas por si mesmo. E diz-me que é especial ir além.
Além dos olhos negros há o mundo das Idéias – mas ao avesso: não há verdade na essência. E é tão mais completo assim. Juro que sinto-me completo ao fechar os olhos e lembrar-me do que vi. (Quero que vejas também, mas não és capaz). Felicidade é uma palavra que limita o que senti: é pouco. Não tem a ver com a felicidade, tampouco lembra qualquer outro sentimento que já foi rotulado – acho que enfim senti algo que nenhum outro jamais sentiu: navego em mares que não foram navegados e não tenho medo, pois há só luz (e é tão escuro que queria mostrar-te). Como é difícil achar palavras para descrever um sentimento sem nome. Poderia, eu, criar qualquer neologismo, como alvitranscendência ou pluriteovidência – mas tenho medo de limitar o que senti com palavras. Tenho medo de perder-me ao tentar mostrar-te o que há de melhor em mim.
Vejas, tu, por favor. E diz-me ser especial. Diz-me ser real o que vi – pois só assim será. Olhos negros. Noite morta. Pele macia. Tato. Cheiro de cigarro. Gosto de lágrima. Rosto blasé – diz-me ser tudo real, pois do que vivi até então, talvez nem tu sejas. (os pronomes que uso propositalmente em excesso para expulsar da minha alma o que há de exagero em mim não são reais).
Ah, como quero novamente ver além, mas meu tempo é findo. Julho se aproxima e o inverno é inimigo. Diz-me que não foi em vão e ficarei satisfeito com o que vi. Diz-me com palavras sinceras que encontrei enfim algo que é digno de ser encontrado e morrerei por estar completo – mas diz-me. Pois vi a inocência pura onde os olhos tornam-se negros. Vi a luz da essência e quero embriagar-me em seu clarão. Diz-me que posso amar a luz, por fim. Diz-me que no fim tornar-me-ei senhor do eu mesmo – mas diz-me.
Psicografia - Thiago Terenzi
03:13 postado por Thiago Terenzi
E as palavras que são ditas. E os olhos que se fecham. E o instante que se edifica. E o corpo que se emudece. Tudo
E escrevo para entender o que há lá dentro. Frases soltas, sem sentido – não é mesmo para ter. A racionalidade me limita – logo eu que já sou tão limitado. Quero ir de olhos fechados, ouvir as teclas traduzirem o que há de escuro no mais escuro de mim. Escrevo para ser-me. Por necessidade, apenas. Não me leia – é pessoal. Não me entendo e não quero que entendam-me antes de mim.
Está tudo dito – tudo o que precisava ser. Mas ainda não me compreendo. Decifro-me e escrevo, mas não entendo. Ao menos não no instante congelado. Traga-me, tu, papel e lápis, pois há nisso a razão do existir – não escrevo por luxo ou para mostrar-me sabedor da língua – língua esta que uso ao avesso, num português particular. Escrevo-me para existir. Para cumprir uma missão que nem sei qual é. Não há opção – existem demônios que habitam sabe-se lá onde de mim e tenho que psicografa-los. Tenho que externar o que há de exagero em mim – uma lágrima, talvez, bastaria, mas não sei se sei chorar. Escrevo.
Nasci póstumo, confesso. Mas não tenho importância para a humanidade. Nasci póstumo de mim, apenas. Não me entendo, mas há algo a ser entendido. A posteridade não me entenderá, mas um eu posterior, talvez. Apego-me a esta esperança. E apego-me ao lápis já sem ponta (não acabe, por favor, és o que resta).
Há a música, também. Mas o que está para ser dito não se molda em melodias – há algo limitante em cada uma delas. Resta-me a prosa – mas as palavras são poucas e não há signos suficientes para traduzir os olhos que se fecham.
Escrevo em palavras simples, pois é tudo o que tenho. Mas há algo além delas. Olhe além do inteligível. Verás – prometo. Há um sopro da verdade no além-mar. Basta forçar a visão. Estou cego demais para enxergar além. Gasto o fôlego que resta desenhando letras – mas não entendo-as.
Há um sorriso. Lábios finos. Cheiro da madrugada. Corpo cheirando a cigarro. Rostos nus. Abraço. – Mas nada disso importa! Descrevo o que há no mundo externo quando busco fazer sentido. Nada disso precisa ser dito. Não há verdade externa – e eu busco alguma verdade para apoiar o corpo cansado. Estás vendo? Não buscarei mais sentido. Não serei mais explícito, pois estarei mentindo. E, por Deus, ao menos agora em meu momento mais necessário – juro que não quero mentir. Não a você – és importante.
Entendo agora o desespero e amor de Clarice por um leitor que nem conhecia. Juro – acredite em mim: este amor existe. Necessito, assim como ela, de você aqui, de mãos dadas. Nunca quis copia-la, mas juro que preciso de ti. Não é loucura – é que decifrar-me trás medo. E a lógica se perde e, então, preciso de ti. Preciso do lápis e do papel e da música e da literatura. Mas preciso de ti.
É que buscar o entendimento verdadeiro requer coragem. É preciso desapego. Não sei se estou preparado, mas é inevitável. Talvez sintas frio como eu. É possível que entendas o que não entendo – sempre fui arrogante demais para confessar-te minhas limitações. Mas tenho.
Poderia, eu, confessar-te em uma linha o que queres ouvir. Mas seria simplista demais. Guarde, por mim, o que há nas entrelinhas, mas não me revele. Há, entre o id, o ego e o superego, coisas que não me quero entender.
SOBRE O TEMPO
15:36 postado por Thiago Terenzi
E Ele, assim como Ana, prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu – uma tentativa desesperada, confesso, de eternizar a gota viva do que restou. Com delicadeza, guardou-o como quem toca numa borboleta – frágil. A delicadeza carinhosa, porém, análoga ao amor materno, fundiu-se ao desejo bruto e desesperado de não deixar o instante fugir – esmagou-se, então, a gota da vida pelo desejo de eterniza-la.
O instante findo tornou-se lágrima não chorada.. Pobre Dele que, assim como Ana, acreditou controlar o incontrolável – e acreditar em vão faz doer. É sabido, pois, que, em vão, tenta-se agarrar o momento presente – mas o que restou do presente? Imagina-se o presente, mas o instante fora esmagado segundos atrás – o que sobrou do presente? Respondo: as sobras do que preferem, os outros, de olhos fechados, acreditar. Preferem, os outros, viver de olhos fechados, pois temem abri-lo e constatar que não existe luz. Acreditam numa luz que nunca viram – mas, por Deus, não foram os mesmos que esmagaram o instante? – não os culpo: também esmaguei, assim como Ana, o que me restou. É amor de mãe – e amor de mãe mata.
Culpo o tempo – este sim é cruel (também sou humano e tenho a suja necessidade de achar culpados). Nem mesmo as mães são cruéis: o tempo é. Ele nos rouba o instante, que é tudo o que temos. Roubar-me o essencial é imperdoável. Os outros roubam vidas, riquezas e sorrisos – mas nada disso é necessário. O instante é – tantas coisas disse, em outros momentos, serem essenciais, mas agora estou convencido de que apenas o instante há de ser. Talvez nada seja essência, como disse Nietzsche, mas ainda me convenço em não ser um completo nietzscheano – tenho um lado romântico que me deixa respirar. A essência está no instante, mas esmagaram-no ao tentar protege-lo! A essência terá sido, então, esmagada? Mas e eu, que, assim como Ana e Ele, busco há tempos o que me é essencial? – busco, na verdade, o instante que passou, apenas – não me importa mais se no instante encontra-se a essência (mudo de idéia a cada letra, mas nunca soube mesmo o que pensar).
Fato é que o instante se foi e estou sozinho. Todos os instantes se vão e nenhum me preenche – nenhum preenche Ana e nem Ele. Nos dão o instante, mas ele nunca é nosso. Aquilo que nos fazia respirar não mais o faz – descobrimos, então, a realidade: respiramos independente das coisas boas: eis o fim do romantismo.
Eis, também, o fim do sorriso. O sorriso que sorriu ficou no instante em que morreu. Tudo o que nos tornava seres completos nem mais existe. Estamos incompletos procurando algo que nos consuma. Porque o tempo, cruel, há de também nos consumir – mas isso, astuto, fará no fim. Quando não existir mais com o que nos torturar.